terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sinceridade compassada

O fato de eu não gostar de telefones só aumenta quando alguém inadequado me liga na hora imprópria e na situação errada. Não que eu seja antissocial o suficiente para jogar meu telefone na parede a cada toque, mas confesso que me irrito o suficiente a ponto de desligá-lo. O que leva uma pessoa a te ligar em um horário em que a metade da população mundial considerada normal está dormindo? Independente do horário, o caso é a pessoa que liga e pra que liga. Se ao menos fosse meu melhor amigo chorando desesperadamente ou a pessoa que mais amo no mundo ligando só pra dizer que me ama, mas não, não é. Confesso que a minha vontade é de acabar com os telefones e celulares, porém, se eu o fizesse... Bem, melhor deixar eles no lugar deles e esperar, ou melhor, implorar para que ninguém me ligue nesses horários indevidos. 
O caso é que, me acordar na minha melhor hora de sono (o que é muito raro, por isso a raiva da ligação) só pra me infernizar com história passada, só me faz odiar mais ainda o celular e as pessoas. A porcaria do celular tocava, e ainda eram oito horas da manhã; é hora de pessoas estarem indo trabalhar, estudar ou não sei mais o que, mas é a minha hora de ainda estar dormindo. Não atendi, mas xinguei. Tocou novamente, mas fiz questão de recusar a ligação quando vi quem era. Maldita insistência! Só por causa desta eu resolvi atender, e claro, a minha raiva predominante pela interrupção do sono. 
-Ahn, oi? -Eu ainda dormindo e atendendo o celular
-Hey, e aí? -"Pra que tanta animação?", pensei
-E aí que você me acordou... pra que, hein?
-Ah, me desculpa
-Deixa vai, já que me acordou...
-Hm, está brava?
-Não, imagina, vou até te agradecer por ter adiantado meu dia em algumas horas. Já disse obrigada?
-Irônica, até com sono 
-É, fala o que você quer
-Quero te ver
Ai, sério? Foi aí que eu acordei, quer dizer, me toquei 
-Que? Me ver? Pra que?
-Pra que sim, poxa. Saudades e tudo o mais
-Ahn... -Pensando no "tudo o mais"
-E aí? 
-Ok, quando? -Animação: zero
-Hoje! -"Pra que tanta animação?", pensei de novo 
-Ok, onde?
-Na sua casa
-Ah, jamais!
-Por que "jamais"? 
-"Jamais" porque eu não quero. Vamos lá no parque, pode ser? Às duas, tudo bem? -Já fui logo encurtando o assunto, as perguntas, as respostas e tudo o mais
-Tudo bem. Vou te esperar, não se atrase
-Olha pra minha cara de quem vai chegar na hora
-É, como sempre, mas tudo bem, por você eu espero
Ah, mas que coisa! Eu realmente não sabia o que dizer, o que pensar, só tinha vontade de desligar o celular e nunca mais na vida me comunicar com ninguém desse mundo e nem de qualquer outro mundo que se possa existir (se é que existe). O que faz uma pessoa vir atrás de outra que a ignora? Ou melhor, eu não estava nem nunca ignorei, o caso é que o sentimento acabou, e se o sentimento acaba é fim, não é? Mas não, do fim alguém queria fazer um começo, colar meios e tentar. Eu já me preparava pra ressaltar que o fim era fim, sem piedade ou compaixão. Não, isso não podia ter um novo começo. Fim era fim e fim de assunto. Mas, acabei por pensar tanto que nem consegui voltar a dormir. 
Eu não senti nenhum tipo de ansiedade ou inquietudade como dos tempos que sentia quando o amor era amor. Eu apenas sentia uma racionalidade extrema tomar qualquer sentimento que eu ainda pudesse ter. Eu sabia que as coisas apenas aconteciam se eu as deixasse acontecer ou apenas lhes desse um fim. Eu já dei fim uma vez, mas parece que não foi tão concreto; quer dizer, foi concreto, pelo menos pra mim, mas parece que o fim não depende apenas de uma parte. O fim só é fim quando as partes, todas as envolvidas, resolvem assinar o contrato de finalização. Eu podia ter dado um fim, ter assinado todas as rescisões, mas parecia que alguma parte ainda não havia se dado conta que a linha de término de contrato deveria ser assinada. 
Saí com o mesmo ânimo que saio para ir ao banco. Eu não estava nem um pouco afim de ver ninguém, nem de lembrar de ninguém, mas já que as coisas estavam na minha cara a ponto de cair nas minhas mãos, eu estaria no lugar certo e na hora certa para dizer e fazer o certo, o fim. E fui, cheguei e ele estava ali no banco, há meia hora, me esperando. A melhor parte foi que ao olhar ao redor o parque estava vazio. Digo que é a melhor parte porque eu presentia que iria acontecer algum drama da parte dele e eu não estava nem um pouco interessada em qualquer interpretação barata. 
-Meia hora de atraso, como de costume
-Pelo menos isso você sabe sobre mim
-Vamos tomar um café ou alguma coisa?
-Não, obrigada; se o caso é apenas me ver e conversar, que façamos isso sem desvios, tudo bem?
-Você nunca muda; sempre direta e fixa
-Alguém tem que ser assim para manter as coisas no lugar
-E o seu lugar agora é sentar aqui do meu lado -Dando aquelas batidas no banco como se eu fosse um gatinho de estimação, o que me deixou extremamente irritada
-Ao menos faça o favor de ser educado e levante-se para me cumprimentar? 
Então, ele se desculpou, se levantou, tomou as minhas mãos e me beijou o rosto. Eu ri feito a garota mais boba do mundo. Apesar de não sentir nada mais eu ainda guardava em mim o carinho que sentia. Ele notou meu riso e riu também, e aproveitando a situação, me abraçou. Confesso que foi bom abraçá-lo novamente. Mas, acho que eu gostei porque fazia tempo que não abraçava alguém, então, nada de mais. Nos sentamos, então. 
-E então, como você está? -Ele perguntou. Até parecia se importar
-Nada novo, e você?
-Nada novo? Você sempre tem algo novo, alguma coisa nova
-É, mas não é nada relevante. Você ainda não disse como você está
-Estou sentindo a sua falta
Eu o olhei com cara de "ah, é mesmo?", olhei pra frente e fiquei rindo. Aquilo era engraçado porque eu perguntei como ele estava, o emocional, a vida, os dias, o trabalho, essas coisas e não sobre mim. 
-Está sentindo a minha falta? Mesmo? 
-Mesmo, mesmo. Você não?
-Não. 
-Mesmo, mesmo?
-Eu não mentiria. Você vê alguma animação no meu rosto em estar aqui? Vê alguma reação à sua ausência? 
-Não precisa falar assim 
-Não estou falando nada de mais. Estou falando a verdade apenas. Se estou te ferindo com a sinceridade, é porque é pra sofrer menos, porque se eu ferir com falsidade a dor será bem maior e camuflada
-Você sempre tem a razão de tudo, por que?
-Porque sou racional o suficiente pra acreditar apenas nas coisas que ainda existem, e você deveria ter aprendido isso comigo. Deveria acreditar apenas nas coisas que podem acontecer ou existem. Deveria não se iludir, não criar expectativas, não sofrer. 
-Não sofrer? -Perguntou com um ar bem irônico
-É, não sofrer. Sofrer é muito opcional. As pessoas sofrem porque querem e gostam de sofrer. Gostam da dor de sofrer para se sentir vivas e vítimas. Se as pessoas não criassem ilusões ou expectativas, não sofreriam com decepções
-Isso é frieza, você sabe
-Não, isso não é frieza, é racionalidade. Frieza é pegar uma faca e cortar alguém ao meio, e eu não faço isso. 
-Eu acho que você não sente nada, nunca sentiu 
-Eu sinto, claro que sinto. Sinto o que eu posso sentir 
-Você tem medo de sentir
-Não, não tenho medo de sentir. Já senti o que poderia ser o máximo, mas aprendi que o máximo traz uma dor maior, então optei por sentir aos poucos, com cuidado
Parecia até que eu estava em frente, ou melhor, ao lado,  de alguém que nunca conheci. Era estranho ver que alguém que esteve comigo não aprendeu nada. Quando eu digo que as pessoas não aprendem porque não querem aprender, dizem que isso só serve para mim
-Você não me ama mais -Ele dando início ao drama
-Não, na verdade eu nunca te amei; não dessa forma como imagina. Deveria saber
-Mas você disse que me amava
-Claro, eu também disse que amava a Angelina Jolie e nem por isso ela está aqui me cobrando a verdade
-Você não era assim 
-Eu sempre fui assim, é que você era infantil demais para enxergar a verdade
-Agora eu cresci
-Não me importa o quanto você cresceu ou regrediu
-Você me amou, pelo menos?
-Amei, amei sim. Não vou dizer que não amei porque seria hipocrisia, mas não amei como você pensou que eu amasse. 
-Você deveria ter me dito que não me amava tanto assim 
-Não tem como eu dizer o quanto te amei ou deixei de amar; amor não se mede ou pesa, a gente apenas sente. Só quero te dizer que te amei, mas não tanto quanto é o total do amor
-Quanto foi, então?
-Amor não se conta em números, mas já que está difícil pra você entender, vamos dizer que te amei de dez em cem, sendo que o meu amor total seria de cem
-Na sua proporção, você apenas gostava de mim
-Minha proporção de gostar seria de um em cem
-Praticamente nada
-Pois é, que bom que entendeu. 
-Mas... mas eu amo você, entende?
-Eu entendo que você me ame, mas deveria ter dado o valor proporcional à esse amor todo que você diz ter
-Eu dei o meu máximo 
-Não foi o que pareceu. Se tivesse dado o seu máximo, eu não te trataria como um mínimo 
-Você sabe que, apesar de tudo, eu sou e sempre vou ser apaixonado por você. 
Céus! Sabe que lá no fundo, no fundo de toda a minha frieza ensaiada e calculada, isso rompeu um certo ligamento de sentimento? Mas, não, eu precisava manter  a força, manter a estrutura para não criar qualquer chance. Não podia mostrar nem um pouco que aquilo me deixou bem vulnerável
-É bom saber que alguém vai estar sempre apaixonado por mim. É confortante
-Isso foi arrogante
-Eu sei que foi, mas você precisa entender que, por mais que você sinta um mundo de sentimento por mim, não é recíproco. E eu não quero te machucar criando ilusões ou expectativas. Eu prefiro te machucar acabando com isso tudo, do que te matar com uma mentira que te agrade 
-Eu sei que você está pensando no meu bem 
-Estou pensando no seu bem, porque acredito que você mereça o que lhe cabe
-Você me cabe
-Não, eu sou um número muito maior pro seu calçado
-Você sempre foi maior em tudo para mim 
-Por isso você não conseguiu dar valor
-Sabe quando alguém é muito pra você? Sabe quando alguém é muito perfeito, gentil, adorável, incrível e inacreditável? Sabe quando alguém parece ser o mundo e você não sabe por onde começar a explorar? Este alguém é você
-E você? Em que lugar fica desse "mundo"?
-Uma poeira
Não, eu não merecia isso. Parecia que eu era o deus daquele pecador. Não podia continuar assim.
-Pois então, Senhor Poeira, não vou te varrer do mundo mundo -Eu ri para amenizar a situação
-Como assim?
-Bem, se não podemos, de fato, ter o que você tanto quer, podemos ter algo maior
-O que pode ser maior que o amor que tenho por você?
-Amizade
-Que?
-É, amizade. Antes de qualquer amor, que venha antes a amizade. Se um amor é apenas paixão e não tem amizade, não dura, se consome e some
-Tem razão, como sempre
-Mas que nossa amizade seja verdadeira e sincera, sem rodeios. Que você se segure quando eu disser boas verdades e que eu tenha a mesma paciência de sempre para os seus dramas
-Eu não faço drama 
-Aham, faz drama sim, demais -Falei rindo
-Mas por que você ainda me quer como amigo?
-Prefiro que seja meu amigo, porque sendo meu amigo eu ainda posso cultivar em você o meu carinho. Se eu te deixasse partir, sem compaixão, você tentaria em ser meu inimigo, e eu não gostaria nem um pouco de ter alguém que gosto como inimigo. Estou zelando para que sua índole não se corrompa em um certo ódio por mim e  veja em mim  um alvo para atirar toda a sua inimizade
-Eu jamais te odiaria
-Eu sei, mas é melhor prevenir
-Por que você é sempre tão perfeita?
-Porque você sempre esquece de usar os óculos quando fala comigo 
Ele riu, e me abraçou. Foi um abraço bem melhor que todos os que demos em todo o tempo que passamos juntos. Acredito que as pessoas realmente dão valor quando percebem que perderam; mas passam a dar valor mesmo quando descobrem que ainda podem recuperar o que se perdeu. 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Minúcias

Hipocrisia é dizer que saberia me refazer da cabeça aos pés, sem ao menos saber o que se passa pela minha cabeça ou por onde passaram meus pés. Ironia é dizer que ao me fitar inerte, imóvel, inexorável, saberia desenhar todos os meus pensamentos, se nem ao menos sabe rascunhar, quem dirá desenhar? Alegoria é dizer que compreende unicamente todas as minhas alegorias quando nem estou figurando absolutamente nada. Epifania é toda essa alegoria que cria ao redor de mim e que, mesmo exageradamente, me fornecia uma inconpreensível alegria. 
Diz que, às vezes, mas somente às vezes, às duras penas, não consegue me entender, mas não se cansa de tentar e tentar, porque sabe que no fim há com o que se recompensar. Diz que digo e me contradigo, me questiono e cobro a outro responder. Só sei que a minha única certeza é a que eu vivo na dúvida. 
Já era tempo de perceber e enteder que certezas nunca foram meu forte, mas o que me fortalecem são incertezas. Já era tempo de perceber que nunca calo meu questionar porque me movo, não me contento com respostas, são as perguntas que me movimentam. Já era tempo de perceber que jamais, por mais que quisesse, me contentei com o mínimo, o pouco, porque o que mantém é a busca pelo maior, por mais. Já era tempo de perceber que nunca tive uma personalidade definida, por mais que sempre soubesse quem sou, mas as minhas mil faces  é que dizem mais sobre mim. Já era tempo de saber que jamais me contive em apenas um humor, que eram oscilações que me tornavam tão imprevisível e, ao passo, nunca entediante. Já era tempo de saber que jamais tive uma ideia fixa, sempre foram várias, e aleatórias, e inconexas, e inclusivas, e inconcisas, e minhas. Já era tempo de saber que sempre me mantive em contradições, porque sempre me fascino em me ver contradizendo a mim, até me convencer e, novamente, contradizer. Já era tempo de perceber que nunca fui de um amor, sou do tipo que tem amores, amores aleatórios e inexplicáveis, mas nunca um único amor, porque se meu amor fosse por um único amor, jamais seria vasto, muito menos único, seria insoso, insípido. Várias personalidades, vários humores, várias ideias, várias contradições, vários amores; me resumi. 
O que eu quero? O que quero é tão simplório que, ao olhar alheio, é complexo. Engano; vivo, hoje, no simplismo, e isso é a alegria mais existente. O que eu tenho a assegurar não é nada austero, é, na maioria, tão frívolo, que arrancaria um riso do canto labial de qualquer indivíduo. 
Não, não quero que seja meu dia de sol. Eu quero que seja meu dia cinza, meu dia nublado, meu dia de chuva, porque dias assim me fazem feliz. Não quero que me acorde pelas manhãs, nem que durma. Eu quero que passe a noite em vigília ao meu lado, porque são as noites que me mantêm em estado de receptividade. Não quero que traga nenhum tipo de luz ou iluminação, eu quero escuridão, eu quero toda a escuridão, porque é nela que desvend a alma. Não quero um céu límpido e esplendoroso, eu quero um céu autista e concentrado, porque céus  fechados são os melhores para se desvendar. 
Não quero árvores vistosas, roliças e verdejantes. Eu quero árvores nuas, porque são estas que não têm nada a esconder e a ousadia de se expôr. Não quero campinas verdes, eu quero capim queimado e sofrido, porque foi ele que ousou desafiar a luminosidade. Não quero aves que cantam harmoniosamente. Eu quero quero aves que caçam, quero águias e corujas, porque elas não perdem seu curto tempo com caprichos. Não quero rios que correm e terminam, eu quero rios sem destino, que se predem, porque são eles os maiores desbravadores. Não quero beira de praia pra apenas molhar os pés, eu quero o mar todo em mim; eu quero abraçar o mar inteiro e me hospedar por lá, porque é lá que eu quero morar. 
Não quero uma moradia vasta e invejável. Eu quero uma moradia que seja o suficiente para morar, porque não tenho tanta dimensão para preencher alog que seja tão grande. Não quero um jardim infestado das mais variadas flores. Eu quero apenas uma flor para cultivar, porque quero amá-la exclusiva e excessivamente. Não quero muita riqueza, eu quero riqueza moderada que possa me felicitar, porque riqueza em excesso é tão inválida que jamais morreria comigo. 
Não quero qualquer ser, eu quero o ser que há em você, porque é no seu ser que eu quero estar. Eu quero que seja minha dor, mas que me traga uma boa cura. Eu quero que seja o meu analgésico, mas nunca termine o efeito. Eu quero que seja minha droga, a melhor, a mais forte, e que jamais me deixe adormecer. Eu quero que seja o meu cigarro, mas que a cada trago, jamais saia de mim. Eu quero que seja o meu oxigênio, mas quero que me preencha de tal forma que me sufoque. Eu quero que seja meu sangue, mas que nunca vaze entre cortes e machucados. Eu quero que seja a tempestade que me tire da calma e jamais termine. Eu quero que seja meu pensamento, mas que jamais me saia do pensamento. Eu quero que seja o universo, que seja eu, que seja você, mas que jamais deixe de ser, existir, ficar ou estar. 
Eu disse que eram coisas tolas de fazer qualquer tolo rir. Às vezes rio de mim porque eu sou um complexo de coisas tão bobas que pensam que sou um verdadeiro emaranhado de informações. E, sabe? Já era tempo de perceber que a felicidade está nas coisas mais minúcias possíveis e que geram as maiores alegrias.