segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Hoje: sórdido

Hoje é um daqueles dias que se acorda sem as calças, não se consegue sentar e não se lembra da noite passada. Resumindo: hoje é um dia fodido. Hoje é daqueles dias em que tudo que, mais inocente que seja, parecerá sórdido. Hoje é dia de fenecer-se em si e não mandar notícias.
A gente acorda morto, mas insiste em viver. Já acorda pensando: “Em uma hora dessas está a ler ou a dormir, quem sabe? Eu não sei, adoraria saber, mas nem sei da minha vida, quem dirá da sua?”. Eu nem deveria pensar, o melhor era esquecer, mas meu pensar não deixa.
Eu disse que não fumaria, a não ser em ocasiões especiais, ou ocasiões fodidas. Segunda opção por hoje pedindo algo tragável. Mas não, sou mais forte que qualquer coisa e posso descontar qualquer sentimento em qualquer coisa que não me machuque. Nada de cortes, bebidas ou cigarros, hoje eu não quero me foder mais ainda, mas vou foder a minha raiva, ou sabe lá o que, em palavras aleatórias.
Porque eu sou assim: Da mesma forma que eu amo intensamente, por puro orgulho, deixo de amar intensamente também. Não que eu esqueça fácil, mas me forço a esquecer de lembrar. Jamais me deprimo, me desaponto ou me desfaço, porque eu nunca espero. Eu já me antecipo a qualquer sentimento e me preparo antes de tudo. Sofrer se torna algo muito opcional quando se trata de mim.
E daí, nesses dias fodidos, a gente já acorda, nem liga pra nada, tira a roupa e vai nu pela casa até o chuveiro. Não censuro as minhas paredes de enxergar minha nudez porque confio nelas, ao contrário das pessoas. Não sei se sabe, mas o fato é que um bom banho quente eleva demasiadamente meu (ínfimo) QI e faz borbulhar pensamentos. Quando as lágrimas caem e se camuflam durante o banho e você acredita que, pelo menos uma vez na vida, faz parte deste mundo.
Eu queria morar no chuveiro; moraria se não soubesse que a água que me sobra aqui, falta para outros. E aquela água que nos toma dos pés à cabeça, e desliza pela pele, e penetra em dobras, frestas, vácuos. Em um dia fodido, a única coisa que deixo me penetrar é a água. Tenho um caso de amor com a água; ela é a única coisa que me penetra e depois não me faz sofrer; a única.
Quando a gente fica no chuveiro e as ideias nascem querendo se lavar. Tenho vontade de me sentar ao chuveiro e escrever. Eu escreveria debaixo do chuveiro se a água não fosse tão molhada e não desbotasse minhas palavras. Pra minha sorte, tenho memória fotográfica e, tudo o que penso no chuveiro, me lembro depois.
Aí a gente se joga na cama e pensa. Não se sabe em que ou porquê, mas pensa. Pensamento é coisa estranha: vem do nada, involuntariamente e fica martelando. Meu pensamento resolveu me martirizar por hoje. Fiquei pensando em amores, digo, um amor. Amor é assim: a gente só tem um amor, os outros são nossas buscas frustradas de encontrar em outros alguéns o primeiro. Eu, como sempre, quero contradizer até minhas contradições e farei diferente. Não vou procurar em outros alguéns o mesmo amor, porque o meu amor fui eu que idealizei, então quem se enquadrar no meu padrão, será um novo amor.  Eu não quero esquecer, eu quero lembrar que um dia conheci esse alguém. Como sou arrogante quando me machucam, vou passar por cima de qualquer coisa que queira me machucar novamente.
Por enquanto vai doer em pensar. Pensar que alguém subverteu meu sentimento, fingiu em rir, em me amar e se perdeu. Eu que não me casaria jamais, mas compraria todo o papel possível para certificações de que me casaria mais de mil vezes com você. Ah, você. Do que eu sinto falta nem lhe faz falta, porque a falta é toda minha, a ausência é toda minha e toda sua, porque é a parte que me falta. Eu nunca me iludi em ter você pra mim, mas coração é bobo e quer te imaginar aqui. Mas eu queria uma condição pra viver: ter você pra mim; mas não é assim e a gente fica a fingir; fingir, rir sorrir, um possível partir. Eu queria ficar só a te esperar e me alegrar a cada dia passando e diminuindo os dias pra te encontrar. Encontrar você? Onde? Quando? Como? Faz tempo, você nem se lembra, mas eu me lembro do dia em que vi e morri, mas o seu abraço me fez viver. Eu não deveria ter saído de casa naquele dia, eu não deveria derramar meus olhos em você. Não mais vou derreter com o calor de alguém, agora eu só quero hibernar o meu amor. E eu fiquei um bom tempo naquilo de “Ah, meu amor, por que só você é meu amor e eu nunca sou somente o seu?”, e daí é quando, por um desgaste, as paredes não agüentam mais os socos descontados nelas por raiva e começam a desmoronar. Eis que cai por terra o meu ponto de desconto. E eu quero descontar em mim minha própria dor, mas escolhi me foder em palavras.
Eu queria sentar-se ao seu lado enquanto toca piano, encostar a cabeça no seu ombro, ouvir sua melodia, e pela fresta da janela, um céu nublado. Já me acostumei a encostar a cabeça na porta na falta de um ombro. A madeira da porta é algo confortante quando não há nada que me possa confortar. E a única melodia que consigo escutar agora é aquela que alguém fez para alguém, que não a mim.
Eu sou coisa complexa demais pra física quântica. Que morram todos os que queiram nos resumir a números quando nem palavras podem dizer por nós. Não tente entender o que eu não sei explicar. Meu cérebro não tem lado esquerdo e direito, ele tem um demônio e um anjo, um bom e um mau, um ser dócil e um arrogante, e por aí vai. E na minha cabeça há milhões de mim que ficam querendo romper o crânio e se camuflar entre os cabelos. E no resto do corpo há dois seres de mim que habitam em mim, totalmente contraditórios um ao outro, dividindo a mesma carne. E mesmo assim, há algo aqui que não tem que ou quem vá explicar. E colore a face de todas as possíveis cores, mas o coração permanece monocromático, cinza. Não há refração que me explique.
E daí eu continuo escrevendo algo que só o papel irá ler. Escrevo umas coisas tão contraditórias que você começa a ler e quando chega ao fim, pergunta “Mas, como assim? Duas opiniões?”. Pois é. Contradigo até minha opinião e depois contradigo novamente, fico em dúvida e questiono. E nunca termina, nunca cessa. E eu fico pensando o dia todo em um monte de coisa; coisas absurdas, pensamentos absurdos, qualquer coisa. E nunca para, nunca cessa. Às vezes, penso meio que involuntariamente, porque sem querer me pego vagando, pensando em algo que eu nem quero pensar, e muitas vezes é você. Seria bom parar de pensar só um pouco.
Isso me levou a pensar em pessoas. Há pessoas que amam e não dizem; demonstram. Há pessoas que dizem amar e não amam; fingem. E há pessoas que amam, e demonstram, e se machucam, e mesmo assim amam. E mesmo não sendo recíproco, amam. Meu caso, maldito caso. Uma hora você ama alguém que não te ama. Em outra, alguém te ama e você não o ama. A única reciprocidade é isso.
Mas, quanto a você, um pseudo nós, é hora de dar fim ao que jamais começou. Confesso que queria que você ficasse sem estar, o que viesse só pra dizer que vai partir. Eu quero que se danem meus jogos de fingir não se importar e me importar, beijando de joelhos os seus pés, pedindo pra ficar. Mas você não fica, não vem, nem parte, só me reparte. Mas você pode tomar seu barco e partir, nem me ousarei a remar. Ah, você tem braços, reme seu barco, porque os meus eu os perdi de tanto, em sonhos, te abraçar. Pode ir sem se despedir; não vou deixar nenhuma bandeira branca à minha porta enquanto você leva a minha paz. Eu sei que não deveria dizer quando você sabe o quanto te amo, mas dizer cansa, e já gastei muito dinheiro em dicionários pra lhe dizer as melhores palavras. As palavras sórdidas eu deixo pra usar em dias fodidos como este, é assim.
Mas pode ir e ser feliz com alguém que não eu. Vão ficar folhas caídas pra dizer, se eu partir, o meu amor. Pode ir, amar, mas não leve as cartas que me enviou, estas existem pra lembrar as palavras suas escritas para mim. Mas se você rasgar as cartas que um dia eu lhe escrevi, queimar, rasgar, mas vou me mudar, então se quiser me escrever (coisa que não irá ocorrer, já me conformei), não vai adiantar me procurar. Deixa eu lhe falar: pode ir ser feliz com o seu outro amor, que não eu que nunca o fui. Mas seja feliz, bem feliz, mais feliz, pra eu chorar e me contentar.




sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Pessoas e dentes


Acordei, mas acordei porque tinha que tomar remédio, caso contrário eu ficaria na cama o dia todo. Analgésicos são algo fascinante: uma dose e, por quatro horas, a dor cessa. Pensei comigo: “E pra dor de amor? Onde eu compro esse analgésico?”.  Levantei da cama, dor no coração e no siso. Este maldito siso nascendo.  Mas dor no siso é pouca perto da dor no coração. Na esperança de cessar a dor de coração, tomei meu analgésico e nada. Analgésico não cura dor de amor, nem dor de coração, só dor física. “Analgésico pra dor de amor é o tempo”, conclui.  Ah, mas tempo leva tempo e dói demais; enquanto isso não sei se espero, acelero ou vou me amortecendo. Resolvi deixar minha dor com o tempo, já que é algo que não cabe mais a mim.
Mas, além do analgésico, tem o antiinflamatório. Este siso é coisa do mal, sem mais. É o chamado “dente do juízo”. Qual juízo? Eu já tinha um juízo determinante muito antes do tal siso me atormentar. E pra ajudar, me disseram que é um dente que não serve para nada, nada e que, depois que ele nascer, pode-se arrancar. Então pra que nascer? Siso é igual gente: nasce, mas vai morrer. Eu já disse o quanto dói? É engraçado dizer que sem os remédios eu choro? Bem, podia existir um antiinflamatório que não me deixasse chorar quando alguém partisse, me deixasse ou nem me dissesse nada.  Remédio é coisa engraçada: age no sistema e cessa a dor. Eu me pergunto: “Remédio entra no nosso corpo e como é que ele adivinha onde está a dor?”. Eu queria enganar meus remédios quanto ao local da dor e desviar o efeito pro coração. Coisa boba, bem boba.
Dente também é coisa engraçada. Dente é coisa engraçada porque nos faz rir, literalmente. Mas não é essa a conclusão. Esses dentes de leite, que têm um nome daqueles científicos, que não sei qual é (tanto faz), nascem e caem. Caem pra dar lugar ao dente fixo, permanente. É, permanente; esse eu sei o nome. Quando eu era criança, cair um dente era uma felicidade. Doía, mas a felicidade compensava. Hoje eu sei que quando eu era criança a dor de tirar um dente era pouca perto das dores que se adquire quando se cresce. Agora sei porque eu nunca quis crescer. As dores de criança eram inocentes, mas quando a gente cresce,  elas realmente doem.  Mas, voltando ao dente de leite... tem gente que é dente de leite, já notei isso.  Pessoas que aparecem na nossa vida,  crescem em nós e, do nada, partem, caem, como dente de leite. Há pessoas que tomam o lugar vago e permanecem nas nossas vidas, são dentes permanentes. Mas, se por um infortúnio do destino, acidente ou vai lá saber o que, eles se desprendem de nós, fica um enorme lugar vago, que assim como um dente permanente que não mais nascerá outro no lugar, também nunca existirá outra pessoa pra substituí-la. Daí nos aparecem falsas cópias  de pessoas, assim como dentes postiços. Cada pessoa  é cada pessoa, cada dente é cada dente e só nascem uma vez.
Ai, o siso, a parte que me dói. Sim, há pessoas que são o nosso siso e que nascem no coração. Pessoas que nos machucam, dói, mas ficam porque amamos mesmo doendo, mas chega uma hora que precisamos arrancar essa dor para que não prejudique nossa estrutura; e arrancamos. Dói, dói e dói, mas cicatriza com o tempo, apesar do lugar vago; mas é um lugar vago que não queremos que ninguém ocupe por medo que doa novamente. Ah, essas pessoas que são sisos na minha vida...

P.S: Escrito em 20 de outubro de 2010 com o siso gritando de dor.