terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sinceridade compassada

O fato de eu não gostar de telefones só aumenta quando alguém inadequado me liga na hora imprópria e na situação errada. Não que eu seja antissocial o suficiente para jogar meu telefone na parede a cada toque, mas confesso que me irrito o suficiente a ponto de desligá-lo. O que leva uma pessoa a te ligar em um horário em que a metade da população mundial considerada normal está dormindo? Independente do horário, o caso é a pessoa que liga e pra que liga. Se ao menos fosse meu melhor amigo chorando desesperadamente ou a pessoa que mais amo no mundo ligando só pra dizer que me ama, mas não, não é. Confesso que a minha vontade é de acabar com os telefones e celulares, porém, se eu o fizesse... Bem, melhor deixar eles no lugar deles e esperar, ou melhor, implorar para que ninguém me ligue nesses horários indevidos. 
O caso é que, me acordar na minha melhor hora de sono (o que é muito raro, por isso a raiva da ligação) só pra me infernizar com história passada, só me faz odiar mais ainda o celular e as pessoas. A porcaria do celular tocava, e ainda eram oito horas da manhã; é hora de pessoas estarem indo trabalhar, estudar ou não sei mais o que, mas é a minha hora de ainda estar dormindo. Não atendi, mas xinguei. Tocou novamente, mas fiz questão de recusar a ligação quando vi quem era. Maldita insistência! Só por causa desta eu resolvi atender, e claro, a minha raiva predominante pela interrupção do sono. 
-Ahn, oi? -Eu ainda dormindo e atendendo o celular
-Hey, e aí? -"Pra que tanta animação?", pensei
-E aí que você me acordou... pra que, hein?
-Ah, me desculpa
-Deixa vai, já que me acordou...
-Hm, está brava?
-Não, imagina, vou até te agradecer por ter adiantado meu dia em algumas horas. Já disse obrigada?
-Irônica, até com sono 
-É, fala o que você quer
-Quero te ver
Ai, sério? Foi aí que eu acordei, quer dizer, me toquei 
-Que? Me ver? Pra que?
-Pra que sim, poxa. Saudades e tudo o mais
-Ahn... -Pensando no "tudo o mais"
-E aí? 
-Ok, quando? -Animação: zero
-Hoje! -"Pra que tanta animação?", pensei de novo 
-Ok, onde?
-Na sua casa
-Ah, jamais!
-Por que "jamais"? 
-"Jamais" porque eu não quero. Vamos lá no parque, pode ser? Às duas, tudo bem? -Já fui logo encurtando o assunto, as perguntas, as respostas e tudo o mais
-Tudo bem. Vou te esperar, não se atrase
-Olha pra minha cara de quem vai chegar na hora
-É, como sempre, mas tudo bem, por você eu espero
Ah, mas que coisa! Eu realmente não sabia o que dizer, o que pensar, só tinha vontade de desligar o celular e nunca mais na vida me comunicar com ninguém desse mundo e nem de qualquer outro mundo que se possa existir (se é que existe). O que faz uma pessoa vir atrás de outra que a ignora? Ou melhor, eu não estava nem nunca ignorei, o caso é que o sentimento acabou, e se o sentimento acaba é fim, não é? Mas não, do fim alguém queria fazer um começo, colar meios e tentar. Eu já me preparava pra ressaltar que o fim era fim, sem piedade ou compaixão. Não, isso não podia ter um novo começo. Fim era fim e fim de assunto. Mas, acabei por pensar tanto que nem consegui voltar a dormir. 
Eu não senti nenhum tipo de ansiedade ou inquietudade como dos tempos que sentia quando o amor era amor. Eu apenas sentia uma racionalidade extrema tomar qualquer sentimento que eu ainda pudesse ter. Eu sabia que as coisas apenas aconteciam se eu as deixasse acontecer ou apenas lhes desse um fim. Eu já dei fim uma vez, mas parece que não foi tão concreto; quer dizer, foi concreto, pelo menos pra mim, mas parece que o fim não depende apenas de uma parte. O fim só é fim quando as partes, todas as envolvidas, resolvem assinar o contrato de finalização. Eu podia ter dado um fim, ter assinado todas as rescisões, mas parecia que alguma parte ainda não havia se dado conta que a linha de término de contrato deveria ser assinada. 
Saí com o mesmo ânimo que saio para ir ao banco. Eu não estava nem um pouco afim de ver ninguém, nem de lembrar de ninguém, mas já que as coisas estavam na minha cara a ponto de cair nas minhas mãos, eu estaria no lugar certo e na hora certa para dizer e fazer o certo, o fim. E fui, cheguei e ele estava ali no banco, há meia hora, me esperando. A melhor parte foi que ao olhar ao redor o parque estava vazio. Digo que é a melhor parte porque eu presentia que iria acontecer algum drama da parte dele e eu não estava nem um pouco interessada em qualquer interpretação barata. 
-Meia hora de atraso, como de costume
-Pelo menos isso você sabe sobre mim
-Vamos tomar um café ou alguma coisa?
-Não, obrigada; se o caso é apenas me ver e conversar, que façamos isso sem desvios, tudo bem?
-Você nunca muda; sempre direta e fixa
-Alguém tem que ser assim para manter as coisas no lugar
-E o seu lugar agora é sentar aqui do meu lado -Dando aquelas batidas no banco como se eu fosse um gatinho de estimação, o que me deixou extremamente irritada
-Ao menos faça o favor de ser educado e levante-se para me cumprimentar? 
Então, ele se desculpou, se levantou, tomou as minhas mãos e me beijou o rosto. Eu ri feito a garota mais boba do mundo. Apesar de não sentir nada mais eu ainda guardava em mim o carinho que sentia. Ele notou meu riso e riu também, e aproveitando a situação, me abraçou. Confesso que foi bom abraçá-lo novamente. Mas, acho que eu gostei porque fazia tempo que não abraçava alguém, então, nada de mais. Nos sentamos, então. 
-E então, como você está? -Ele perguntou. Até parecia se importar
-Nada novo, e você?
-Nada novo? Você sempre tem algo novo, alguma coisa nova
-É, mas não é nada relevante. Você ainda não disse como você está
-Estou sentindo a sua falta
Eu o olhei com cara de "ah, é mesmo?", olhei pra frente e fiquei rindo. Aquilo era engraçado porque eu perguntei como ele estava, o emocional, a vida, os dias, o trabalho, essas coisas e não sobre mim. 
-Está sentindo a minha falta? Mesmo? 
-Mesmo, mesmo. Você não?
-Não. 
-Mesmo, mesmo?
-Eu não mentiria. Você vê alguma animação no meu rosto em estar aqui? Vê alguma reação à sua ausência? 
-Não precisa falar assim 
-Não estou falando nada de mais. Estou falando a verdade apenas. Se estou te ferindo com a sinceridade, é porque é pra sofrer menos, porque se eu ferir com falsidade a dor será bem maior e camuflada
-Você sempre tem a razão de tudo, por que?
-Porque sou racional o suficiente pra acreditar apenas nas coisas que ainda existem, e você deveria ter aprendido isso comigo. Deveria acreditar apenas nas coisas que podem acontecer ou existem. Deveria não se iludir, não criar expectativas, não sofrer. 
-Não sofrer? -Perguntou com um ar bem irônico
-É, não sofrer. Sofrer é muito opcional. As pessoas sofrem porque querem e gostam de sofrer. Gostam da dor de sofrer para se sentir vivas e vítimas. Se as pessoas não criassem ilusões ou expectativas, não sofreriam com decepções
-Isso é frieza, você sabe
-Não, isso não é frieza, é racionalidade. Frieza é pegar uma faca e cortar alguém ao meio, e eu não faço isso. 
-Eu acho que você não sente nada, nunca sentiu 
-Eu sinto, claro que sinto. Sinto o que eu posso sentir 
-Você tem medo de sentir
-Não, não tenho medo de sentir. Já senti o que poderia ser o máximo, mas aprendi que o máximo traz uma dor maior, então optei por sentir aos poucos, com cuidado
Parecia até que eu estava em frente, ou melhor, ao lado,  de alguém que nunca conheci. Era estranho ver que alguém que esteve comigo não aprendeu nada. Quando eu digo que as pessoas não aprendem porque não querem aprender, dizem que isso só serve para mim
-Você não me ama mais -Ele dando início ao drama
-Não, na verdade eu nunca te amei; não dessa forma como imagina. Deveria saber
-Mas você disse que me amava
-Claro, eu também disse que amava a Angelina Jolie e nem por isso ela está aqui me cobrando a verdade
-Você não era assim 
-Eu sempre fui assim, é que você era infantil demais para enxergar a verdade
-Agora eu cresci
-Não me importa o quanto você cresceu ou regrediu
-Você me amou, pelo menos?
-Amei, amei sim. Não vou dizer que não amei porque seria hipocrisia, mas não amei como você pensou que eu amasse. 
-Você deveria ter me dito que não me amava tanto assim 
-Não tem como eu dizer o quanto te amei ou deixei de amar; amor não se mede ou pesa, a gente apenas sente. Só quero te dizer que te amei, mas não tanto quanto é o total do amor
-Quanto foi, então?
-Amor não se conta em números, mas já que está difícil pra você entender, vamos dizer que te amei de dez em cem, sendo que o meu amor total seria de cem
-Na sua proporção, você apenas gostava de mim
-Minha proporção de gostar seria de um em cem
-Praticamente nada
-Pois é, que bom que entendeu. 
-Mas... mas eu amo você, entende?
-Eu entendo que você me ame, mas deveria ter dado o valor proporcional à esse amor todo que você diz ter
-Eu dei o meu máximo 
-Não foi o que pareceu. Se tivesse dado o seu máximo, eu não te trataria como um mínimo 
-Você sabe que, apesar de tudo, eu sou e sempre vou ser apaixonado por você. 
Céus! Sabe que lá no fundo, no fundo de toda a minha frieza ensaiada e calculada, isso rompeu um certo ligamento de sentimento? Mas, não, eu precisava manter  a força, manter a estrutura para não criar qualquer chance. Não podia mostrar nem um pouco que aquilo me deixou bem vulnerável
-É bom saber que alguém vai estar sempre apaixonado por mim. É confortante
-Isso foi arrogante
-Eu sei que foi, mas você precisa entender que, por mais que você sinta um mundo de sentimento por mim, não é recíproco. E eu não quero te machucar criando ilusões ou expectativas. Eu prefiro te machucar acabando com isso tudo, do que te matar com uma mentira que te agrade 
-Eu sei que você está pensando no meu bem 
-Estou pensando no seu bem, porque acredito que você mereça o que lhe cabe
-Você me cabe
-Não, eu sou um número muito maior pro seu calçado
-Você sempre foi maior em tudo para mim 
-Por isso você não conseguiu dar valor
-Sabe quando alguém é muito pra você? Sabe quando alguém é muito perfeito, gentil, adorável, incrível e inacreditável? Sabe quando alguém parece ser o mundo e você não sabe por onde começar a explorar? Este alguém é você
-E você? Em que lugar fica desse "mundo"?
-Uma poeira
Não, eu não merecia isso. Parecia que eu era o deus daquele pecador. Não podia continuar assim.
-Pois então, Senhor Poeira, não vou te varrer do mundo mundo -Eu ri para amenizar a situação
-Como assim?
-Bem, se não podemos, de fato, ter o que você tanto quer, podemos ter algo maior
-O que pode ser maior que o amor que tenho por você?
-Amizade
-Que?
-É, amizade. Antes de qualquer amor, que venha antes a amizade. Se um amor é apenas paixão e não tem amizade, não dura, se consome e some
-Tem razão, como sempre
-Mas que nossa amizade seja verdadeira e sincera, sem rodeios. Que você se segure quando eu disser boas verdades e que eu tenha a mesma paciência de sempre para os seus dramas
-Eu não faço drama 
-Aham, faz drama sim, demais -Falei rindo
-Mas por que você ainda me quer como amigo?
-Prefiro que seja meu amigo, porque sendo meu amigo eu ainda posso cultivar em você o meu carinho. Se eu te deixasse partir, sem compaixão, você tentaria em ser meu inimigo, e eu não gostaria nem um pouco de ter alguém que gosto como inimigo. Estou zelando para que sua índole não se corrompa em um certo ódio por mim e  veja em mim  um alvo para atirar toda a sua inimizade
-Eu jamais te odiaria
-Eu sei, mas é melhor prevenir
-Por que você é sempre tão perfeita?
-Porque você sempre esquece de usar os óculos quando fala comigo 
Ele riu, e me abraçou. Foi um abraço bem melhor que todos os que demos em todo o tempo que passamos juntos. Acredito que as pessoas realmente dão valor quando percebem que perderam; mas passam a dar valor mesmo quando descobrem que ainda podem recuperar o que se perdeu. 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Minúcias

Hipocrisia é dizer que saberia me refazer da cabeça aos pés, sem ao menos saber o que se passa pela minha cabeça ou por onde passaram meus pés. Ironia é dizer que ao me fitar inerte, imóvel, inexorável, saberia desenhar todos os meus pensamentos, se nem ao menos sabe rascunhar, quem dirá desenhar? Alegoria é dizer que compreende unicamente todas as minhas alegorias quando nem estou figurando absolutamente nada. Epifania é toda essa alegoria que cria ao redor de mim e que, mesmo exageradamente, me fornecia uma inconpreensível alegria. 
Diz que, às vezes, mas somente às vezes, às duras penas, não consegue me entender, mas não se cansa de tentar e tentar, porque sabe que no fim há com o que se recompensar. Diz que digo e me contradigo, me questiono e cobro a outro responder. Só sei que a minha única certeza é a que eu vivo na dúvida. 
Já era tempo de perceber e enteder que certezas nunca foram meu forte, mas o que me fortalecem são incertezas. Já era tempo de perceber que nunca calo meu questionar porque me movo, não me contento com respostas, são as perguntas que me movimentam. Já era tempo de perceber que jamais, por mais que quisesse, me contentei com o mínimo, o pouco, porque o que mantém é a busca pelo maior, por mais. Já era tempo de perceber que nunca tive uma personalidade definida, por mais que sempre soubesse quem sou, mas as minhas mil faces  é que dizem mais sobre mim. Já era tempo de saber que jamais me contive em apenas um humor, que eram oscilações que me tornavam tão imprevisível e, ao passo, nunca entediante. Já era tempo de saber que jamais tive uma ideia fixa, sempre foram várias, e aleatórias, e inconexas, e inclusivas, e inconcisas, e minhas. Já era tempo de saber que sempre me mantive em contradições, porque sempre me fascino em me ver contradizendo a mim, até me convencer e, novamente, contradizer. Já era tempo de perceber que nunca fui de um amor, sou do tipo que tem amores, amores aleatórios e inexplicáveis, mas nunca um único amor, porque se meu amor fosse por um único amor, jamais seria vasto, muito menos único, seria insoso, insípido. Várias personalidades, vários humores, várias ideias, várias contradições, vários amores; me resumi. 
O que eu quero? O que quero é tão simplório que, ao olhar alheio, é complexo. Engano; vivo, hoje, no simplismo, e isso é a alegria mais existente. O que eu tenho a assegurar não é nada austero, é, na maioria, tão frívolo, que arrancaria um riso do canto labial de qualquer indivíduo. 
Não, não quero que seja meu dia de sol. Eu quero que seja meu dia cinza, meu dia nublado, meu dia de chuva, porque dias assim me fazem feliz. Não quero que me acorde pelas manhãs, nem que durma. Eu quero que passe a noite em vigília ao meu lado, porque são as noites que me mantêm em estado de receptividade. Não quero que traga nenhum tipo de luz ou iluminação, eu quero escuridão, eu quero toda a escuridão, porque é nela que desvend a alma. Não quero um céu límpido e esplendoroso, eu quero um céu autista e concentrado, porque céus  fechados são os melhores para se desvendar. 
Não quero árvores vistosas, roliças e verdejantes. Eu quero árvores nuas, porque são estas que não têm nada a esconder e a ousadia de se expôr. Não quero campinas verdes, eu quero capim queimado e sofrido, porque foi ele que ousou desafiar a luminosidade. Não quero aves que cantam harmoniosamente. Eu quero quero aves que caçam, quero águias e corujas, porque elas não perdem seu curto tempo com caprichos. Não quero rios que correm e terminam, eu quero rios sem destino, que se predem, porque são eles os maiores desbravadores. Não quero beira de praia pra apenas molhar os pés, eu quero o mar todo em mim; eu quero abraçar o mar inteiro e me hospedar por lá, porque é lá que eu quero morar. 
Não quero uma moradia vasta e invejável. Eu quero uma moradia que seja o suficiente para morar, porque não tenho tanta dimensão para preencher alog que seja tão grande. Não quero um jardim infestado das mais variadas flores. Eu quero apenas uma flor para cultivar, porque quero amá-la exclusiva e excessivamente. Não quero muita riqueza, eu quero riqueza moderada que possa me felicitar, porque riqueza em excesso é tão inválida que jamais morreria comigo. 
Não quero qualquer ser, eu quero o ser que há em você, porque é no seu ser que eu quero estar. Eu quero que seja minha dor, mas que me traga uma boa cura. Eu quero que seja o meu analgésico, mas nunca termine o efeito. Eu quero que seja minha droga, a melhor, a mais forte, e que jamais me deixe adormecer. Eu quero que seja o meu cigarro, mas que a cada trago, jamais saia de mim. Eu quero que seja o meu oxigênio, mas quero que me preencha de tal forma que me sufoque. Eu quero que seja meu sangue, mas que nunca vaze entre cortes e machucados. Eu quero que seja a tempestade que me tire da calma e jamais termine. Eu quero que seja meu pensamento, mas que jamais me saia do pensamento. Eu quero que seja o universo, que seja eu, que seja você, mas que jamais deixe de ser, existir, ficar ou estar. 
Eu disse que eram coisas tolas de fazer qualquer tolo rir. Às vezes rio de mim porque eu sou um complexo de coisas tão bobas que pensam que sou um verdadeiro emaranhado de informações. E, sabe? Já era tempo de perceber que a felicidade está nas coisas mais minúcias possíveis e que geram as maiores alegrias. 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Hoje: sórdido

Hoje é um daqueles dias que se acorda sem as calças, não se consegue sentar e não se lembra da noite passada. Resumindo: hoje é um dia fodido. Hoje é daqueles dias em que tudo que, mais inocente que seja, parecerá sórdido. Hoje é dia de fenecer-se em si e não mandar notícias.
A gente acorda morto, mas insiste em viver. Já acorda pensando: “Em uma hora dessas está a ler ou a dormir, quem sabe? Eu não sei, adoraria saber, mas nem sei da minha vida, quem dirá da sua?”. Eu nem deveria pensar, o melhor era esquecer, mas meu pensar não deixa.
Eu disse que não fumaria, a não ser em ocasiões especiais, ou ocasiões fodidas. Segunda opção por hoje pedindo algo tragável. Mas não, sou mais forte que qualquer coisa e posso descontar qualquer sentimento em qualquer coisa que não me machuque. Nada de cortes, bebidas ou cigarros, hoje eu não quero me foder mais ainda, mas vou foder a minha raiva, ou sabe lá o que, em palavras aleatórias.
Porque eu sou assim: Da mesma forma que eu amo intensamente, por puro orgulho, deixo de amar intensamente também. Não que eu esqueça fácil, mas me forço a esquecer de lembrar. Jamais me deprimo, me desaponto ou me desfaço, porque eu nunca espero. Eu já me antecipo a qualquer sentimento e me preparo antes de tudo. Sofrer se torna algo muito opcional quando se trata de mim.
E daí, nesses dias fodidos, a gente já acorda, nem liga pra nada, tira a roupa e vai nu pela casa até o chuveiro. Não censuro as minhas paredes de enxergar minha nudez porque confio nelas, ao contrário das pessoas. Não sei se sabe, mas o fato é que um bom banho quente eleva demasiadamente meu (ínfimo) QI e faz borbulhar pensamentos. Quando as lágrimas caem e se camuflam durante o banho e você acredita que, pelo menos uma vez na vida, faz parte deste mundo.
Eu queria morar no chuveiro; moraria se não soubesse que a água que me sobra aqui, falta para outros. E aquela água que nos toma dos pés à cabeça, e desliza pela pele, e penetra em dobras, frestas, vácuos. Em um dia fodido, a única coisa que deixo me penetrar é a água. Tenho um caso de amor com a água; ela é a única coisa que me penetra e depois não me faz sofrer; a única.
Quando a gente fica no chuveiro e as ideias nascem querendo se lavar. Tenho vontade de me sentar ao chuveiro e escrever. Eu escreveria debaixo do chuveiro se a água não fosse tão molhada e não desbotasse minhas palavras. Pra minha sorte, tenho memória fotográfica e, tudo o que penso no chuveiro, me lembro depois.
Aí a gente se joga na cama e pensa. Não se sabe em que ou porquê, mas pensa. Pensamento é coisa estranha: vem do nada, involuntariamente e fica martelando. Meu pensamento resolveu me martirizar por hoje. Fiquei pensando em amores, digo, um amor. Amor é assim: a gente só tem um amor, os outros são nossas buscas frustradas de encontrar em outros alguéns o primeiro. Eu, como sempre, quero contradizer até minhas contradições e farei diferente. Não vou procurar em outros alguéns o mesmo amor, porque o meu amor fui eu que idealizei, então quem se enquadrar no meu padrão, será um novo amor.  Eu não quero esquecer, eu quero lembrar que um dia conheci esse alguém. Como sou arrogante quando me machucam, vou passar por cima de qualquer coisa que queira me machucar novamente.
Por enquanto vai doer em pensar. Pensar que alguém subverteu meu sentimento, fingiu em rir, em me amar e se perdeu. Eu que não me casaria jamais, mas compraria todo o papel possível para certificações de que me casaria mais de mil vezes com você. Ah, você. Do que eu sinto falta nem lhe faz falta, porque a falta é toda minha, a ausência é toda minha e toda sua, porque é a parte que me falta. Eu nunca me iludi em ter você pra mim, mas coração é bobo e quer te imaginar aqui. Mas eu queria uma condição pra viver: ter você pra mim; mas não é assim e a gente fica a fingir; fingir, rir sorrir, um possível partir. Eu queria ficar só a te esperar e me alegrar a cada dia passando e diminuindo os dias pra te encontrar. Encontrar você? Onde? Quando? Como? Faz tempo, você nem se lembra, mas eu me lembro do dia em que vi e morri, mas o seu abraço me fez viver. Eu não deveria ter saído de casa naquele dia, eu não deveria derramar meus olhos em você. Não mais vou derreter com o calor de alguém, agora eu só quero hibernar o meu amor. E eu fiquei um bom tempo naquilo de “Ah, meu amor, por que só você é meu amor e eu nunca sou somente o seu?”, e daí é quando, por um desgaste, as paredes não agüentam mais os socos descontados nelas por raiva e começam a desmoronar. Eis que cai por terra o meu ponto de desconto. E eu quero descontar em mim minha própria dor, mas escolhi me foder em palavras.
Eu queria sentar-se ao seu lado enquanto toca piano, encostar a cabeça no seu ombro, ouvir sua melodia, e pela fresta da janela, um céu nublado. Já me acostumei a encostar a cabeça na porta na falta de um ombro. A madeira da porta é algo confortante quando não há nada que me possa confortar. E a única melodia que consigo escutar agora é aquela que alguém fez para alguém, que não a mim.
Eu sou coisa complexa demais pra física quântica. Que morram todos os que queiram nos resumir a números quando nem palavras podem dizer por nós. Não tente entender o que eu não sei explicar. Meu cérebro não tem lado esquerdo e direito, ele tem um demônio e um anjo, um bom e um mau, um ser dócil e um arrogante, e por aí vai. E na minha cabeça há milhões de mim que ficam querendo romper o crânio e se camuflar entre os cabelos. E no resto do corpo há dois seres de mim que habitam em mim, totalmente contraditórios um ao outro, dividindo a mesma carne. E mesmo assim, há algo aqui que não tem que ou quem vá explicar. E colore a face de todas as possíveis cores, mas o coração permanece monocromático, cinza. Não há refração que me explique.
E daí eu continuo escrevendo algo que só o papel irá ler. Escrevo umas coisas tão contraditórias que você começa a ler e quando chega ao fim, pergunta “Mas, como assim? Duas opiniões?”. Pois é. Contradigo até minha opinião e depois contradigo novamente, fico em dúvida e questiono. E nunca termina, nunca cessa. E eu fico pensando o dia todo em um monte de coisa; coisas absurdas, pensamentos absurdos, qualquer coisa. E nunca para, nunca cessa. Às vezes, penso meio que involuntariamente, porque sem querer me pego vagando, pensando em algo que eu nem quero pensar, e muitas vezes é você. Seria bom parar de pensar só um pouco.
Isso me levou a pensar em pessoas. Há pessoas que amam e não dizem; demonstram. Há pessoas que dizem amar e não amam; fingem. E há pessoas que amam, e demonstram, e se machucam, e mesmo assim amam. E mesmo não sendo recíproco, amam. Meu caso, maldito caso. Uma hora você ama alguém que não te ama. Em outra, alguém te ama e você não o ama. A única reciprocidade é isso.
Mas, quanto a você, um pseudo nós, é hora de dar fim ao que jamais começou. Confesso que queria que você ficasse sem estar, o que viesse só pra dizer que vai partir. Eu quero que se danem meus jogos de fingir não se importar e me importar, beijando de joelhos os seus pés, pedindo pra ficar. Mas você não fica, não vem, nem parte, só me reparte. Mas você pode tomar seu barco e partir, nem me ousarei a remar. Ah, você tem braços, reme seu barco, porque os meus eu os perdi de tanto, em sonhos, te abraçar. Pode ir sem se despedir; não vou deixar nenhuma bandeira branca à minha porta enquanto você leva a minha paz. Eu sei que não deveria dizer quando você sabe o quanto te amo, mas dizer cansa, e já gastei muito dinheiro em dicionários pra lhe dizer as melhores palavras. As palavras sórdidas eu deixo pra usar em dias fodidos como este, é assim.
Mas pode ir e ser feliz com alguém que não eu. Vão ficar folhas caídas pra dizer, se eu partir, o meu amor. Pode ir, amar, mas não leve as cartas que me enviou, estas existem pra lembrar as palavras suas escritas para mim. Mas se você rasgar as cartas que um dia eu lhe escrevi, queimar, rasgar, mas vou me mudar, então se quiser me escrever (coisa que não irá ocorrer, já me conformei), não vai adiantar me procurar. Deixa eu lhe falar: pode ir ser feliz com o seu outro amor, que não eu que nunca o fui. Mas seja feliz, bem feliz, mais feliz, pra eu chorar e me contentar.




sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Pessoas e dentes


Acordei, mas acordei porque tinha que tomar remédio, caso contrário eu ficaria na cama o dia todo. Analgésicos são algo fascinante: uma dose e, por quatro horas, a dor cessa. Pensei comigo: “E pra dor de amor? Onde eu compro esse analgésico?”.  Levantei da cama, dor no coração e no siso. Este maldito siso nascendo.  Mas dor no siso é pouca perto da dor no coração. Na esperança de cessar a dor de coração, tomei meu analgésico e nada. Analgésico não cura dor de amor, nem dor de coração, só dor física. “Analgésico pra dor de amor é o tempo”, conclui.  Ah, mas tempo leva tempo e dói demais; enquanto isso não sei se espero, acelero ou vou me amortecendo. Resolvi deixar minha dor com o tempo, já que é algo que não cabe mais a mim.
Mas, além do analgésico, tem o antiinflamatório. Este siso é coisa do mal, sem mais. É o chamado “dente do juízo”. Qual juízo? Eu já tinha um juízo determinante muito antes do tal siso me atormentar. E pra ajudar, me disseram que é um dente que não serve para nada, nada e que, depois que ele nascer, pode-se arrancar. Então pra que nascer? Siso é igual gente: nasce, mas vai morrer. Eu já disse o quanto dói? É engraçado dizer que sem os remédios eu choro? Bem, podia existir um antiinflamatório que não me deixasse chorar quando alguém partisse, me deixasse ou nem me dissesse nada.  Remédio é coisa engraçada: age no sistema e cessa a dor. Eu me pergunto: “Remédio entra no nosso corpo e como é que ele adivinha onde está a dor?”. Eu queria enganar meus remédios quanto ao local da dor e desviar o efeito pro coração. Coisa boba, bem boba.
Dente também é coisa engraçada. Dente é coisa engraçada porque nos faz rir, literalmente. Mas não é essa a conclusão. Esses dentes de leite, que têm um nome daqueles científicos, que não sei qual é (tanto faz), nascem e caem. Caem pra dar lugar ao dente fixo, permanente. É, permanente; esse eu sei o nome. Quando eu era criança, cair um dente era uma felicidade. Doía, mas a felicidade compensava. Hoje eu sei que quando eu era criança a dor de tirar um dente era pouca perto das dores que se adquire quando se cresce. Agora sei porque eu nunca quis crescer. As dores de criança eram inocentes, mas quando a gente cresce,  elas realmente doem.  Mas, voltando ao dente de leite... tem gente que é dente de leite, já notei isso.  Pessoas que aparecem na nossa vida,  crescem em nós e, do nada, partem, caem, como dente de leite. Há pessoas que tomam o lugar vago e permanecem nas nossas vidas, são dentes permanentes. Mas, se por um infortúnio do destino, acidente ou vai lá saber o que, eles se desprendem de nós, fica um enorme lugar vago, que assim como um dente permanente que não mais nascerá outro no lugar, também nunca existirá outra pessoa pra substituí-la. Daí nos aparecem falsas cópias  de pessoas, assim como dentes postiços. Cada pessoa  é cada pessoa, cada dente é cada dente e só nascem uma vez.
Ai, o siso, a parte que me dói. Sim, há pessoas que são o nosso siso e que nascem no coração. Pessoas que nos machucam, dói, mas ficam porque amamos mesmo doendo, mas chega uma hora que precisamos arrancar essa dor para que não prejudique nossa estrutura; e arrancamos. Dói, dói e dói, mas cicatriza com o tempo, apesar do lugar vago; mas é um lugar vago que não queremos que ninguém ocupe por medo que doa novamente. Ah, essas pessoas que são sisos na minha vida...

P.S: Escrito em 20 de outubro de 2010 com o siso gritando de dor. 

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Sobre árvores, quadros, forcas e corações

Eu disse que iria comprar um campo de futebol. Riram, já que não gosto de futebol. Confesso que é uma tal felicidade ver meus amigos rirem das minhas ideias mais absurdas. Mas que absurdo há nas minhas ideias? Eram ideias grandes, utópicas, mas jamais absurdas como as ideias deles de se casar e ter filhos. Mas, quanto à minha idéia de comprar um campo de futebol, sei que não ririam se soubessem que eu plantaria uma floresta. Mas riram. Sim, meus amigos riram quando eu disse que o motivo da adquirição do campo de futebol. Como sempre, amando ou não, respeitando ou não, prezando ou não, eu não dei a mínima às opiniões alheias. Eu sempre fui do tipo que nunca se importa com nada nem ninguém. Não que eu seja algo do tipo céptico que nega a tudo e a todos, mas eu fazia mais a linha de não se importar com opiniões que fossem prejudicar minhas ambições. Eu era do tipo que vivia no modo “foda-se” e jamais conseguia encontrar o botão de desligar isso.
E eu decidi que compraria o bendito campo de futebol e o faria minha floresta particular, já que as públicas já nem eram mais florestas. Não exatamente uma floresta no sentido amplo da palavra, seria mais um bosque mesmo, mas meu imaginário com senso de grandeza queria enxergar uma vasta floresta, por assim dizer. Eu queria aquela grandiosidade toda para mim e aos meus cuidados, já que o que estava aos cuidados alheios era mais abandonado que o meu coração.
Pensei comigo: “Floresta é algo tão grande quanto sentimentos. Se posso privatizar uma floresta só pra mim, por que não os sentimentos?”. Nós chegamos a um ponto da sórdida existência em que, depois de tantas decepções, desistências, rejeições e lamúrias e queremos nos trancar em nosso próprio mundo, comprar parte de mundo lá fora e criar um novo mundo. É algo que, depois de um tempo certo vivendo tudo o que há a viver, queremos , já que vemos que nunca tivemos sinceramente, acumular sentimentos em quadros, em vários e inexistentes esquadros, e fixá-los na parede e, enxergar platonicamente o invisível. Pegar o que nos faz mal, e ao invés de quadros, pendurá-los em forcas, altas forcas que jamais tocarão o chão. E, com uma pseudo exaustão por tudo isso, sentar-se à sala, abrir um bom vinho, olhar todo depósito de sentimentos à vista, e chorar; chorar e dizer: “Estes não são os meus sentimentos; são forjados, acumulados e comprados pelo meu senso de egocentrismo que quer ter o que não pôde viver”. E descobrir que sentimentos, assim como florestas, são algo grande demais, levam tempo e, por mais que queiramos, não serão apenas nossos.
Mesmo sabendo, eu queria porque queria. Esse meu querer era algo incessante que já me rendeu boas quedas, perdas, aprendizagens e ganhos, bons ganhos. E o fato é que querer não é poder; querer é não inquietar o anseio até se realizar. Porque ter e poder são algo fácil, a melhor parte está no percurso a realizar. E eu tinha tudo em mãos: uma conta bancária (não daquelas suíças, mas uma brasileira razoável) e um campo de futebol abandonado ao lado de casa. E claro, as protagonistas do cenário, as mudas de árvores, eu compraria algumas de um fazendeiro que eu tinha certo apreço.
Quem, do lado de fora, me visse com tamanha ambição e, na visão alheia, desperdiçando dinheiro, diria o quão fútil, inútil, arrogante e “meridiano de GreenWich” eu era. Era só um ponto de vista. As pessoas lá fora tinham ambições do tipo ter um carro do ano, uma casa enorme, uma casa de praia, ações na bolsa de valores e eu só queria a minha floresta particular, que mal tem? Se eu tinha tudo o que as pessoas lá fora queriam? Claro que tinha, mas não me importava. Não me valia ter o carro do ano se eu mal saía de casa. Não me valia ter uma casa enorme se meu quarto era sempre vazio. Não me valia ter uma casa de praia se nem gosto de sol e só ia até lá em dias nublados. Nem me importava com as minhas ações na bolsa de valores; o que eu ganhava com aquilo eu doava para uma conta de uma instituição de crianças com câncer. E eu sou arrogante? O mundo é o mais arrogante e vem querer me julgar como tal  e qual sendo que eu fico tentando (em vão) consertar os erros que ele comete próximo à mim.
Preciso ressaltar que aprecio o que conquisto com o esforço próprio; meu orgulho muitas vezes impede certas ajudas. E foi assim com a floresta: eu, com as próprias mãos e pés, plantei cada árvore. Cuidei, zelei e protegi cada uma como se fosse um filho quem saiu de mim. Aquelas árvores eram minhas filhas, saíram de mim, das minhas mãos.
Crescer é algo que dói; dói em quem lhe deu a vida e dói na vida em questão.  Quando eu cresci doeu muito. Doeu em meus pais também, mas não os machucava; era uma dor de ver meu crescimento, por perder o meu tempo de criança que jamais voltaria, mas essa dor se amenizava com o orgulho de ver a boa alma que eles me tornaram. E as minhas filhas estavam crescendo debaixo das minhas pálpebras. Eu sentia a dor de vê-las crescer a cada dia e de saber que aquele dia jamais regressaria, mas o meu orgulho por ver o crescimento da minha cria que tanto zelei, protegi e cuidei, amenizava jubilosamente qualquer dor.
Meus olhos reluziam ao ver as folhas que cresciam e caíam, Aquelas folhas que caíam eram páginas escritas que um dia eu escrevi. E quanto às flores... Quem se esqueceria das flores? As flores eram o presente que as minhas árvores me davam assim como eu entregava o boletim com notas máximas para os meus pais. Borboletas se camuflavam e contrastavam entre as árvores, criando mosaicos.
Quando o vento gelado cortava sem piedade os braços das árvores, elas choravam folhas. E desse choro, nascia um vasto mar de folhas vermelhas ao chão. Era o sangue das minhas filhas se renovando. E quando vinham novas folhas, novas alegrias, e assim por anos e anos.
Todas as noites eu ia à minha floresta, abraçava uma por uma e lhes desejava boa noite. Mas, em uma dessas noites, eu escutei uma delas me chamar pelo nome. Não temi e respondi; mas, poxa vida, eram tantas árvores que jamais adivinharia qual delas me chamava. Notando meu péssimo senso de localização, ela ventou-se ferozmente afim de que eu entendesse sua localização.
-Escuta; seu coração parou de chorar
-Oi? Perdoe-me. Como disse? –Questionei, já que não havia entendido
-Seu coração; parou de chorar
-Ele, ao menos, estava chorando?
-Ele sempre chora quando nos abraça pra desejar-nos boa noite
-E... como sabe?
-Minha vida é presa à terra, terra na qual, suas mãos me  puseram, e embora você tenha pés, o que é algo invejável entre nós, você não está em plena liberdade; e então seu coração chora
-E agora, meu coração parou de chorar?
-Até então, sim; mas você sai daqui, se joga na cama, e morre. Você se deita na cama e chora incessantemente e internamente porque você criou uma autodefesa contra sentimentos. Você se permanece, para o mundo todo, em um estado de neutralidade, nem ameno, nem extremo, neutro apenas. Fechou-se na neutralidade, porque já sofreu demais quando não conseguia sentir ou fazia questão de sentir pouco e insuficiente, ou quando sentia os extremos, os mais fortes e verdadeiros sentimentos e não recebia reciprocidade, só decepção.
-Sei disso, por isso aprendi que decepção só existe quando se criam ilusões; já não mais me iludo, sinto esperança ou ansiedade. Eu apenas vivo; vivo porque tenho que viver. Eu não espero, nem sei o que eu quero da vida além de viver
-E os seus extremos?
-Eu os enterrei debaixo das suas raízes
-E não mais viveu...
-Claro que vivo! –bradei. Eu vivo o que quero viver
-Ultimamente você só tem vivido para nós e por nós. Cada um precisa viver a vida que lhe foi concedida. Você precisa para de se camuflar entre raízes de árvores; suas folhas cairão e não mais nascerão. E o que acontece se cairmos? Se nos cortarem, se adoecermos, se morrermos?
Não, não, não, aquilo não era real. Jamais! Jamais,  em sã consciência, uma árvore me veria por dentro e faria uma sessão de psicologia comigo.
-Chega! –gritei. Vai dormir, vai!
Ela não mais respondeu. Abri os olhos, com receio, e nada.  Mas eu fiquei ali jurando pra mim que a ouvi falar comigo. Só sei que me deitei à cama e, como ela havia dito, chorei. Chorei porque eu percebi que havia chegado ao tal ponto da minha vida de colecionar sentimentos em quadros na parede e, o que me fazia mal, em forcas intocáveis. E eu me deitei à cama e vi meus quadros vazios; sim, vazios; não havia e nunca houve sentimentos ali. Os verdadeiros sentimentos eu não podia colocar em molduras, só podiam existir no meu coração.  E aquelas forcas vazias... Os sentimentos que me faziam mal eu não podia enforcá-los, eu só conseguia amarrá-los entre as entranhas. E quando eu sentia vontade de me fatiar com uma daquelas belas facas reluzentes da minha coleção, e tirar tudo o que havia lá dentro, jogar na banheira com álcool, esterilizar e organizar tudo lá dentro de volta. E foi aí que eu descobri que, de fato, meu coração chorava.
No dia seguinte, fui ao quarto de ferramentas e tomei a moto-serra. Aquilo faria meu coração chorar ainda mais, mas não mais. Eu percebi que privatizar árvores era tão inútil quanto os meus quadros e forcas sentimentais. Abracei cada uma delas, beijei-lhes a casca dura e fria. Senti um abraço de cada uma delas e o agradecimento, de ambas as partes, pelo que aprendemos reciprocamente. Foi a primeira vez na vida que senti o que era a tal reciprocidade. Eu que tinha pés, mas me privava da liberdade por causa de um coração que chorava; e aquelas árvores que, mesmo enraizadas ao chão, sabiam viver os amenos e extremos, ao contrário de mim, que os neguei e troquei por uma neutralidade mórbida.
Cortar aquelas árvores significava para mim que não mais privatizaria em silêncio tudo o que sentia. Eu não mais queria ficar vivendo em uma casca de árvore negando e fingindo para o mundo que nada sentia. Eu queria romper minha casca e mostrar ao mundo o que me fazia chorar, rir, morrer, acordar, rejeitar e amar.  Eu não mais sentiria medo de sofrer por forcas ou me exultar por quadros em esquadros do mundo. Eu agora, só tinha na parede pedaços da minha casca para lembrar que quadros e forcas não me deixavam me livrar dela. E que agora a minha casca rompida só servia para me lembrar que se sufocar em si é o mesmo que morrer.



terça-feira, 5 de outubro de 2010

Chuva e alguma linguagem

Era mais uma dessas manhãs que começam chovendo e quando a gente acorda implora pra continuar assim o dia todo. Chovia, chovia, uma chuva calma, porém incessante. Como de costume, fui até a varanda, sentei-me ao banco, acendi um cigarro e fiquei apreciando toda aquela água desaguar. Ver a água cair é um espetáculo à parte e totalmente impagável. Se um dia alguém tentar pagar o que se sente quando a chuva cai não encontrará uma única moeda. E o céu nublado, cinza, coisa mais linda. Dias cinzas são os mais alegres. E sempre que o dia está cinza eu repito "Quero dias cinzas todos os dias". 
Só havia eu e o vento, e agora alguns passos. Veio em minha direção, cabelos ao vento, camisa larga, sem calças e com uma tal calma. Já não sabia mais se ouvia o vento ou a sua respiração. Sentou-se sem dizer uma só palavra ao meu lado, encostou a cabeça no meu ombro enquanto eu olhava para o  horizonte e consumia o cigarro. Não me movi, não se moveu, ficamos ali apenas. Tomou o cigarro da minha boca e riu. Abaixou a cabeça, deu a última tragada possível e o jogou. Eu fiquei olhando, era a coisa mais dócil a se fazer. E rimos. Voltei ao meu estado inicial de fixação no horizonte molhado de chuva, passou os braços pela minha cintura e voltou a colocar a cabeça em meu ombro. Retribui e inclinei a cabeça sobre aquela que estava a me fazer peso ao ombro esquerdo. 
-Já viu em outro lugar algo mais lindo? Perguntei. 
-Refere-se à que? À chuva ou à paisagem?
-O conjunto
-Chuva é sempre chuva
-Não mesmo. Nenhuma chuva é igual a outra e não é a mesma coisa em todos os lugares. É como pessoas: sempre há algo parecido, mas nunca igual
-Refletindo sobre a chuva, é? Por que você tem que parar e pensar sobre tudo?
-Tenho compulsão por pensar
-E o que acontece quando seu pensamento acaba?
-Pensamento nunca acaba, mas se um dia acabar eu vou ter que ficar pensando porquê acabou e, automaticamente, vou voltar a pensar
Tirou a cabeça do meu ombro, me olhou fixamente. Olhei de volta, mas com calma. Riu de mim com tão amabilidade que não resisti e retribui o riso. 
Chovia e eu dizia: "Essa água que cai será você um dia a me inundar de alegria". Tomou meu rosto com as mãos e beijou me a face. Abaixei a cabeça, em respeito. Respeito, depois de amor, era o que eu mais sentia pelo ser ao meu lado. Eu lhe dava todo o amor que me fosse disponível, mas com todo o respeito direcionado. Eu ainda de cabeça baixo, com um riso tímido por ter dito aquilo, passou a mão sobre a minha cabeça como se eu fosse uma criança.
-Mas uma hora a chuva para de cair, e como fica a alegria? Perguntou-me como que a me fazer pensar.
-Uma hora tudo acaba, sabemos disso, mas fazemos o máximo para que dure um pouco mais, ou até pra sempre
-E quanto dura o seu sempre?
-Meu sempre é a vida toda
-Vai viver a vida toda na chuva?
-Eu disse "Essa água que cai será você um dia a me inundar de alegria", mas não quero um dia, quero todos os dias
-Espero que a máquina de secar roupas sobreviva
Rimos e rimos. Só haviam palavras dóceis ali. Jamais, em  momento algum, havia ausência de calma ou qualquer tipo de alteração de ânimos. Sempre havia o mesmo padrão na expressão, nem excessiva, nem ausente, na neutralidade. Aos olhos alheios, tudo o que disséssemos seriam sempre diálogos frios, mas para nós eram os mais elaborados. 
-Vai querer ser minha chuva ou vou ter que morar no chuveiro?
-Se você não gripar, nem ficar o dia todo na cama por causa disso, serei a sua chuva
-Mas e se eu ficar na cama, hein?
-Aí a gente fica por lá, que tal?
-E daí você vai chover todos os dias na minha cama?
-Vou pensar... - Olhou me rindo e abaixou a cabeça. 
Tomei-lhe as mãos, me coloquei frente à face, e abraçei-lhe. Era do tipo de abraço que nenhum algodão seria o mais confortável. Aquele abraço que 
dá vontade de esquecer a casa e querer morar nele. Era o abraço que dava vontade de querer morar dentro daquele ser só pra jamais ousar se perder em outros braços. 
-Por favor, não me venha com dias ensolarados, eu quero que seja meu céu cinza - Eu disse
-Sem nenhuma claridade, prometido.
-Sem ironias, quero que seja todas as minhas hipérboles
-Você nem precisa de mim pra isso, já é a hipérbole em pessoa -Falou rindo
-Minhas hipérboles são dignas do nome somente quando se referem à você, caso contrário se tornam dramas frustrados
-Serei, então, todas as suas hipérboles, e dramas, e ironias ...
-E meus gerundismos!
-Por que quer que eu seja seus gerundismos?
-Quero que seja meus gerundismos pra dizer que estou chorando, rindo, me desfazendo, derretendo, fortalecendo, enfraquecendo, me apaixonando e amando a cada dia mais você. 
Vi naqueles olhos uma ameaça de lágrimas, mas se conteve, e me deu um riso. Porém, um riso que queria chorar de uma certa alegria. E ainda chovia, chovia, mas naquelas olhos não chovia, só uma espécie interminável de alegria. E abraçou-me, quis praticar meu gerundismo me derretendo, me desfazendo, me apaixonando. 
-Fiz o café do jeito que gosta. 
-Forte e doce? 
-Exatamente. E acho melhor ir tomar antes que esfrie. 
-Café nunca é o mesmo depois de aquecer, porém o amor é único que esfriando ou aquecendo continua o mesmo
-Só perde o gosto 
-Só perde o gosto o amor que esfria ou esquenta se não é amor de verdade
-E o seu amor, perde o gosto?
-O meu amor é aquele que sofre, se contenta, esfria, aquece, esquece e lembra, mas continua o mesmo. E o seu?
-Sem mais, eu amo você e o seu amor. 
-E eu amo você, seu amor, essa camisa e seu café. 
Puxou-me pela mão, rindo, com aquelas passos leves, a pele fria e me pôs pra dentro. Fechou a porta, e chovia. Ainda bem que fechou a porta, porque depois do café eu estava querendo tomar aquela chuva na cama, com todas as hipérboles e gerundismos possíveis. 

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Aquilo que dói

Eu só queria, em pouca porcentagem, entender o que se passa nessa sua cabeça. Talvez eu me decepcione quando descobrir que dentro da sua cabeça não tenho nem um valor abaixo de zero. Vai doer, eu sei que vai, mas uma dor a mais, uma dor a menos vindo de você, já é anestesia. 
Eu não consigo entender essa sua mania de sumir e querer fingir quando eu me mostro até os ossos pra você. Você fugiu uma vez quando eu ainda nem sabia o que era, e agora fugiu de vez quando percebeu o que sou. E me disse que todas as minhas palavras eram as mais lindas, mas onde você deixou o sentimento que tinha por elas? Disse-me que eu era a única pessoa que lhe dizia as palavras que jamais escutou de outro alguém, e agora você caiu no ensurdecimento. Me lembro até então quando disse-me que eu a pessoa mais única, mais admirável, adorável pra você, e agora caio no esquecimento. Ou eu sou muito pra você ou você é muito pra mim e vamos ter que fiscalizar as proporções ou anular nossas existências. Mas considero bem difícil, bem complicado, bem torturador tentar esquecer algo que sempre faço questão de querer lembrar. 
Eu lhe mostrei todos meus sentimentos que se destinam à sua existência e, não sei, parece que não significam nada ao seu ver. Alguém já lhe disse que é a coisa mais linda do mundo? Alguém já lhe disse que é a coisa mais inesquecível, mesmo que apareça em questão de segundos? Alguém já lhe disse que toda essa sua desatenção é totalmente apaixonante? Alguém já lhe disse que essas suas crises são as crises mais adoráveis? Alguém já lhe disse que adoraria beijar as mãos de sua mãe em agradecimento por colocar-lhe no mundo? Não se lhe disseram, mas se não disseram são tolos, e se digo é porque sou o maior deles. Sou o ser totalmente mais tolo por você e mesmo assim, mesmo sabendo disto, só faz aumentar minhas tolices. Tem a mim às mãos e sabendo disto me monta, desmonta, como quem brinca. Um dia, quando eu desmontar de vez, nem mesmo você poderá consertar. 
Eu deveria saber, desde a primeira vez, que insistir era bobagem, mas é tão difícil desistir de algo que tanto se quer. Mas estou pensando seriamente em desistir já que não me traz benefícios. Penso seriamente em desistir, não porque não quero mais, mas porque talvez você não me queira por perto. Se brinca ao dizer que me ama mostro toda a minha seriedade em dizer que jamais menti quanto ao meu amor. 
Me sangra os olhos ver todas aquelas suas palavras passadas que pareciam tão verdadeiras e agora parecem copiadas de um texto qualquer. Me sangra a alma sentir que o meu sentimento jamais mudou, mas que o seu jamais existiu. Se existiu sentimento, não sei, mas sei que não foi na mesma intensidade. Sangra me o coração ao pulsar quando vê sua existência em minha frente mas que jamais vê a minha. Sangra me a carne quando sinto aquele arrepio ou aquele frio ao lembrar de um certo abraço que talvez não o tenha novamente. Sangre me o sangue enquanto escorrem lágrimas que deveriam ser de contentamento mas são de desapontamento. 
Mas vou continuar sentindo falta, vontade de falar, de ir atrás, mas não vou porque não quero desperdiçar as doses de orgulho que comprei hoje. Acontece que todo o orgulho que tinha, deixei de lado pra me calçar os pés de coragem pra ir atrás de você e agora tive que tomar minhas doses habituais de orgulho pra tomar vergonha na cara e ficar totalmente indiferente. Fico indiferente o bastante porque me importo o suficiente pra pensar sobre algo e dizer que sou indiferente. Toda indiferença tem consciência do objeto em questão, o caso é que se cria um certo desprezo quanto a ele. Eu fico fingindo desprezo público da sua existência mas particularmente é a coisa com que mais me importo. 
É aquela vontade de te ver, e chorar, e abraçar, e dizer tudo o que se tem a dizer, e talvez bater pra aliviar, e dizer que amo mais que tudo. É aquele choro que vem à noite quando escuto alguma música que me faz lembrar o quanto me faz te lembrar. É aquela coisa de olhar pra qualquer canto e qualquer coisa lembrar alguma coisa em você. É aquele abraço que ninguém mais tem além de você e mesmo que eu esteja em outros abraços jamais serão os seus. E mesmo que eu esteja em outros braços, jamais serão os seus. É aquele livro todo que eu tenho a lhe dizer mas que na hora vou esquecer ao te ver. É aquele livro todo que escrevi pra te explicar o sentimento que não tem explicação nem razão. É aquele vocubulário todo que decorei pra lhe dizer mas que na verdade o silêncio diria tudo. É aquela interpretação toda que ensaiei pra te explicar, mas que só um olhar diria tudo. São aqueles diálogos imaginários e intermináveis que criei entre nós, mas que na hora mudam. É aquele tapa que eu queria tanto lhe dar pra poder fazer você acordar e ver o quanto lhe amo e depois chorar, e me desculpar, e lhe beijar a face pra dor cessar.  É aquele alívio de ver que não esperei em vão o que sempre quis e que agora tudo estará bem com você por perto. É aquela sua carta que guardo até hoje e que parece ser a coisa mais boba do mundo, mas é a coisa mais importante do meu. É aquela vontade de dar-lhe todo o meu amor sem querer nenhum ouro, apenas o seu amor em quilates impagáveis. É aquela vontade de estar pra sempre com você, sabendo que o pra sempre se resume a uma vida toda. 
E você não se importa, não é? Você não sabe o que é o amor se jamais amou. Você talvez tenha amado, ou achou que amou, mas jamais amou verdadeiramente. Eu sei, amor não se mede, não se compara, mas não se pode enganar acreditando que amou o que já se esqueceu em segundos. Jamais amou se não passou noites chorando, sentindo falta ou imaginando o que o outro está a fazer. 
Não, amor não dói, o sofrimento é que machuca. Amor não machuca, cura, são as decepções que rasgam o coração, não o amor. Amor não corta, não deixa cicatrizes, não rompe, mas as pessoas sim. Amor não esquece, não deixa passar, não deixa pra lá, não deixa de existir, mas sim as pessoas. São todas crianças descobrindo o que é amar e quando crescerem terão tantas cicatrizes pra contar histórias de amor. 
Mas tudo bem, tudo isso vai se curar, se cicatrizar, mas eu jamais vou esquecer. As dores passam, mas jamais são esquecidas. As cicatrizes ficam, mas jamais serão removidas. E meu coração sempre pulsará como da primeira vez que lhe vi e jamais pulsará no mesmo ritmo por outro alguém. 

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Gelo

Há um certo gelo em mim que temo em derreter por medo de me afogar. Mas talvez o melhor que eu faça seja me afogar em mim ao invés de me afogar em águas alheias. Mas talvez eu nem queira que esse certo gelo em mim derreta porque talvez seja ele que motiva a procurar um aquecer. 
Eu não quero inundar, mas talvez chover. Eu quero me manter internamente nesta temperatura nórdica, ao invés de um incessante calor. Eu já pensei que, se eu me aquecesse em outro alguém, seria uma sollução para ser algo com mais calor humano, mas isso é em vão já que todos estão preocupados em derreter suas próprias geleiras. Eu nem me preocupo com esse meu gelo interno, mas me incomodo em ver essa geleria comunitária. 
O que eu digo é que meu gelo é um acúmulo frio de situações que me forçaram a ser indiferente. Não que eu não sinta, eu sinto, mas já não mais me decepciono. São situações de falsos amores, erros, oportunidades não alcançadas, amigos irreais, que me congelaram. E então, não mais espero, não mais me iludo, não mais me decepciono porque há um bloqueio gelado que impede. Eu apenas desfaço, mas nunca me desfaço. 
É a minha incrível capacidade de, automaticamente, esquecer o que me faz ou me fez mal. Ficar indiferente em frente ao que me faz mal e esquecer. Eu deixo de amar em pouco tempo aquele falso amor de tal forma que me esqueço o que sentia. Não que meu amor fosse fraco, falso ou passageiro, mas é que automaticamente me desfaço de amores que não têm funções. Aquele que era meu mais fiel amigo e se tornou o inverso, também  desfaço. Não que eu não considere um amigo como tal, mas desfaço quando me faz mal porque não quero magoá-lo com a mesma dor. Não que eu me esqueça de tudo, eu só faço questão de esquecer o que é inválido. Eu perdoo erros alheios, perdoo traições carnais, perdoo deslizes sentimentais, mas jamais me esqueço. 
E não insisto, não vou atrás, não mais. Minha persistência já desistiu dessa insistência inválida em algo que nunca valeu e nem valerá. E o mais certo a fazer é deixar. Deixar passar, deixar pra lá, deixar. Porque eu não vou atrás nem de mim quando me perco, quem dirá eu ir atrás de outos pra encontrar? Talvez quando alguém quiser me encontrar eu já não queira mais estar lá. Esperar até quando for necessário; quando desnecessário, partir. 
Eu cansei, mas cansei não por não ter mais recursos para insistir, eu cansei porque isso não me levará a nada, jamais. Eu erro uma vez, tento consertar na segunda por insistência, na terceira me vem a desistência e a consciência diz que não me valei mais. Eu insisto até ver onde posso, onde ainda há uma certa esperança, quando não mais, parto. 
Em meio a tanta fortaleza, choro. Choro porque preciso me desfazer do que me assola e deixar vazar uma suposta dor. Choro porque águas internas e paradas precisam se renovar antes de validar. Chorar tudo o que tiver que desaguar, mas jamais se acomodar nesse conforto e antes que as lágrimas sequem, partir para confrontar a solução. 
Mesmo que meu gelo derreta, a carne chore e eu me afogue, eu jamais serei aquela fina película humana que se rompe em qualquer situação. 

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Interno

Não vou dizer que é um erro tornar-lhe unicamente o único ser do mundo, porque quem nunca fez de alguém único não sabe o que e zelar. E jamais cobro reciprocidade, só peço reconhecimento. Eu prefiro o errar amando ao acertar indiferente. O erro deve estar no pensar. Se não pudesse pensar não pensaria em sofrimento, dor, amar, contentamento, descontentar e pseudo alegrias.  Nem me importa mais sofrer a indiferença para com meus sentimentos, pois sei que são os mais inocentes. É o continuar amando depois do ódio, o dizer sim mesmo sabendo do não, o se contentar mesmo no pranto. É a dor que paira existencialmente que contrasta com o insistir em obter uma suposta alegria nesta. É o ser fútil para o mundo e se passar por segunda ou até mesmo última opção e te adotar como prioridade. 
Tornar-lhe unicamente a única razão mesmo sabendo que isso é irracional. Dizer-lhe todas as coisas mais plausíveis e se presentear com um silêncio. Felicitar-me com tua felicidade mesmo sabendo que não sou a causa desta. Criar os dialógos mais cinematográficos, colocar-lhe como personagem principal e jamais interpretá-los. E no fim, dar-lhe todo o meu pranto e nem ao menos receber uma comoção. 
Manifesta-se fisicamente meus arrebatamentos mas de tal forma que cabe apenas ao meu ver. É a dor que toma forma física em mim, mas jamais e torna visível aos olhos alheios. O sofrimento que escondo até de mim, mas sempre acabo encontrando-o. Minha incrível capacidade de dizer que está tudo bem, que não há nada de errado e de estar sempre forte quando na verdade é ao contrário. Me destruindo por dentro e mesmo assim dizendo que não há nada de errado. Quando eu resolver desabar não háverá nenhuma força anti-gravitacional que me fará levantar. Desabando lentamente, aos poucos, não completamente, porque ainda deve haver alguma forma de se restaurar antes de ir ao chão. 
Aquela sensação de respirar e não sentir via, apenas oxigênio. Aquela sensaçao de de acordar e não sentir vida, apenas mais sono. Aquela sensação de se cortar e não sentir vida, apenas dor. Aquela sensação de ter sangue e não sentir vida, apenas glóbulos. Aquela sensação de se queimar e não sentir vida, apenas um esfriamento do ser. Aquela sensação de cair e não sentir vida, apenas o chão. Aquela sensação de adormecer e não sentir vida, apenas vontade de nunca acordar. Aquela sensação de existir e não sentir vida, apenas invisibilidade. 
E o meu viver anda baseando-se no aparentemente, no visivelmente, no impressionante. Mostrar que está tudo bem quando na verdade meu tudo já virou nada. Por favor, sem martírios, dramas, carmas, alarmes, senhas, presentes ou surpresas. Doa-me sangue, ânimo, vida, um sopro de existência, mas não me venha com ouro. 
Mais uma vez vou esquecer todas as senhas e me trancar em mim. Decodificadores serão inválidos.

Um suposto eu

Um pedaço esporádico do mundo que na absorção deste, encontra-se e se perde, mas jamais deixa de existir. E se deixo de existir, renasço do meu ser e tento ser o que não consegui antes de partir. E antes de partir não faço malas, nem mudanças, vou de imprevistos sem nada previsto. E vivo, e choro, e parto, e me reparto, me desfaço, mas qual a graça de se manter tudo intacto? Quero me quebrar, me partir, chorar, me desfazer e me refazer e jamais cansar. E se cansar, darei-me tempo pra descansar e retomar em mim o ponto inicial pra chegar a minha própria conclusão. E se não houver uma conclusão darei-me uma razão para encontrá-la antes que a façam por mim. Porque o meu maior repúdio é deixar que façam por mim o que posso fazer por si só. 

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Nós

Nada por nós, nada entre nós, nada para nós, nada que ficou de nós. Nós entre nós, nós que são desfeitos com o tempo, nós que esperávamos não desfazerem com o tempo. Nós que nos entreleçavam, nos uníamos, se desamarram com o vento. Nós que acreditávamos que nós nos uniriam, apenas nos colidiram. Nós que de nós não restou um nó.
Tudo por nós, tudo entre nós, tudo para nós, tudo que ficou de nós está contra nós. Tudo o que nos uniu, hoje nos desfaz. Todos aqueles nós que nos uniam, hoje nos desfazem. Todos aqueles nós que nos amarravam se desamarraram. Tudo o que havia por nós, nós afastamos. Tudo o que havia entre nós está fora de nós. Tudo o que havia para nós já não nos é de direito. Tudo o que ficou de nós apenas ficou para contar nossas histórias de um dia. Tudo o que ficou contra nós, conseguiu nos deteriorar. 
E agora, nós já não somos nós. Nós já não somos nós, entre nós não há mais nós. Nós deixamos que os nós se desfizessem; sim, nós! Os nós que nós tínhamos unindo, hoje nos são cordas lisas. Dos nós que nós uniam só restaram cordas marcadas. 
Não me lembro quantos nós havia em nós, nem quantos  eram de nós. Só sei que nós já não somos nós. Nós não somos nós nem temos mais os nossos nós. 
Nós que queríamos que nossos nós jamais se afrouxassem, muito menos desamarrassem. Nós que nos unimos em nós, nós que nos apoiamos em nós, nós que nos fortaleciam. Nós que nos desamarramos, nós que desenlaçamos nossos nós. 
Nosso maior erro foi nos fechar em uma noz. 

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Falta da falta

Sinto falta, em demasia, dos tempos em que, mesmo distante, nos falávamos todos os dias e ansiávamos sempre por isto. Sinto falta dos tempos em que éramos inocentes e nós amávamos sem saber que isso era amor de verdade. Sinto falta dos tempos em que tempo não nos preocupava e tínhamos de sobra pra compartilhar. 
Sinto falta da primeira vez que nos vimos, do primeiro abraço, do primeiro sorriso, tímido, porém inesqucível. Sinto falta das incansáveis palavras, intermináveis, e até repetidas, que dedicava à mim. Sinto falta das primeiras descobertas, das primeiras coincidências, das primeiras perturbações. 
Sinto falta da minha primeira dúvida, da minha primeira incerteza, da minha primeira dor. Sinto falta da primeira repulsa, da primeira aversão, do primeiro asco. Sinto falta daquelas lágrimas que me cortavam a face sempre que me vinham aos olhos. 
Sinto falta do sofrimento que me flagelou, mas já cicatrizou, e foram meus melhores aprendizados. Sinto falta de algumas feridas que já cicatrizaram, mas jamais partiram. Sinto falta de algum sangue que corria por aqui e agora, não mais, não mais porque se renovou. 
Sinto falta de sentir falta do que jamais tive. Sinto falta da falta que jamais se fez presente. Sinto falta da ausência que me faz e da presença que ausenta. 
Sinto falta de faltar. 

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Indiferença

No dia em que nasci algum demônio ou coisa do tipo entrou em mim, porque não é possível essa minha indiferença e frieza às vezes. Não, minha frieza e indiferença não são provenientes de algo demoníaco ou coisa do tipo, são consequências do fato de conhecer as pessoas. Demônios nem existem, cada pessoa é o seu próprio demônio. Demônios particulares e pessoais.
Fico indiferente às pessoas porque o egocentrismo delas me esfria. Já desisti de me importar com algo que não faz parte da minha vida e que em troca não terei o mesmo. Reciprocidade não existe entre pessoas, existe entre finanças, negócios, prostituição, mas não entre pessoas. Entre pessoas existe uma espécie de egoísmo que quer tudo para si e não doa nada de si. 
Se morre, se vai, se fica, se largou, se nasceu, fico indiferente. Se é comigo, mesmo assim fico indiferente. Sempre há no fundo um sentimento, mas já nem vejo necessidade em expressá-lo a não ser que seja a indiferença. Porque não vale mais dizer o quanto sinto, o quanto me lamento, o quanto necessito, não importa à ninguém. Se digo o quanto sinto ninguém mais dirá que sente o mesmo. Se digo o quanto lamento, minhas lamúrias soam em vão. Se digo o quanto necessito, farão questão de que não supra minha necessidade. 
Não que eu não tenha sentimentos, tenho, em excesso e verdadeiros, mas só os demonstro quando são valorizados. Tenho meus sentimentos como tantas outras pessoas, e se duvidar, mais que elas.  Não é porque não digo que amo seja porque não ame, talvez eu não precise dizer pra amar. Não é porque não digo que sinto seja porque não sinto, talvez sentir consista em sentir e não em dizer. Não é porque não digo que lamento seja que eu não lamente, talvez eu não precise dizer, apenas ter alguma lamúria.  Sentimentos não são ditos, são expressos. 
Aprenda que não se mede sentimentos em grandezas físicas, não é físico, esqueça as milimetragens. Não tente medir sentimentos com réguas, talvez não exista medidas suficientes. Aprenda que um sentimento não é maior ou menor que outro se expressado em excesso ou em ausência. Aprenda que o que parece ser o mínimo de alguém, talvez seja o máximo que ela está dando de si. Aprenda que o que parece ser o insignificante de alguém, talvez seja o mais significativo do mundo. Aprenda que o que você acha pouco, talvez seja o excessivo que lhe será garantido. Aprenda que sentimento é sentimento e não um valor na bolsa de valores. 
Mesmo desacreditando na incapacidade das pessoas em reconhecer o esforço alheio, ainda acredito que alguém se salve. Apesar de tudo, ainda acredito na raça humana, nos sentimentos humanos e talvez, em alguma esperança. Esperança é a última que morre se houver pessoas vivas.  E no fundo, eu nem tenha tanta indiferença assim, talvez só quando necessário. Mas, só pra não perder o hábito: eu não me importo, não mesmo. 

sábado, 4 de setembro de 2010

Roteiro

Às vezes eu duvido que isso tudo seja de verdade realmente. Duvido até de mim quando possível, então é normal eu duvidar de você. E se ao invés de me dar uma dúvida você me poderia concretizar uma certeza, não?
Mas se me acordar à 5 da manhã com uma mensagem dizendo que me ama, vou perder o sono em ambos os sentidos e nem vou reclamar. Dizendo ou não que me ama eu já perco o sono. Perco o sono por duvidar que me ame, mas perco se disser que ama. E se ao invés de me tirar o sono, por que não me tira o ar? Me deixe sem sono, sem ar, sem sede, sem fome, mas não me deixe sem você. 
Sabe o silêncio? O silêncio me faz escutar o vazio. Sabe o vazio? O vazio me faz sentir frio. Sabe o frio? O frio tem gosto de ausência? Sabe ausência? Essa me lembra você. 
Eu quero acordar, te ver ao lado, fingir que estou dormindo só pra te ver acordar, e te acordar, te acordar a cada dia de uma forma diferente, e ver você sorrir, e ver você olhar pro relógio e dizer que se atrasou, e fazer cara de preocupação querendo sair da cama, e eu te puxo rindo, te aviso que é sábado, e você ri o riso mais lindo e volta pra cama comigo, e diz que eu não presto por gostar da sua cara de preocupação, e eu rio do seu riso e digo que amo qualquer cara que você faça, e te beijo e você ri, e você me pede pra parar, eu paro e faço cara de poucos amigos e você ri e me beija, eu finjo não gostar e te puxo pra mim e te guardo pra mim, e ficamos ali até tomar o café, aquele café bem forte que tanto amo, mas não amo mais que você, e você me pergunta o que faremos hoje e eu digo que vamos ficar o dia todo na cama, e você ri, eu ironizo "quer coisa melhor?, e você diz que tem um lindo dia ensolarado lá fora pra ficar o dia todo  na cama e eu sugiro que levemos a cama lá pra fora então, e você ri e diz que eu sempre tenho a imaginação fértil, eu deixo a xícara de café e te abraço, e é aí que quero ficar mas você ainda prefere o dia de sol lá fora, então vamos lá fora aproveitar seu dia de sol e eu digo que quero te fotografar, e você pergunta se eu nunca me enjoo de sempre te fotografar e eu respondo que se me cansasse teria escondido minha câmera no porão e jamais fotografaria alguém, e você ri e diz que eu sou a pessoa mais boba que já conheceu, eu rio e digo que é um exagero da sua parte porque existem pessoas mais bobas como eu, como políticos, por exemplo, e você ri mais ainda e pergunta se sei que me ama e eu respondo que se quiser repetir não vou achar ruim, e você me puxa pela cintura e me beija, tropeço e caímos na grama, e você ri e fica me olhando porque eu sempre me desajeito com alguma coisa e fico com as bochechas coradas e você diz que é a coisa mais adorável do mundo, e eu me deito no seu peito e esqueço das fotografias que ia fazer, esqueço do tempo, esqueço do sol, esqueço de tudo porque só escuto  o seu coração bater enquanto me afaga os cabelos, e vem um trovão atrapalhar o som do seu coração, e você diz que vai chover, eu nem me importo, apenas guardo a câmera, e cai uma gota, outra gota, outra gota desliza sobre seus lábios mas fico com ciúmes e trato de tirar ela dali te beijando, e chove, e você quer se levantar e eu digo que não, que quero ficar ali na chuva com você, na grama, no chão molhado mas mesmo assim você se levanta e quer ir andando, e vai andando e eu te puxo pelo braço e te beijo, você se rende, se rende à mim, à chuva, à agua entre nós, e seu corpo molhado, seus lábios com gosto de chuva, seu cabelo molhando entre minhas mãos e você diz que eu sou a pessoa mais insana que conheceu e que depois não vai me levar ao médico se eu ficar doente, eu  nem ligo, só quero você e a chuva, e a chuva piora e agora sim eu resolvo que é melhor irmos, e você corre e me puxa pela mão, e corremos, corremos pela chuva e chegamos em casa, mas eu nem quero tomar banho quente, mas você insiste que eu vá, eu vou enquanto você faz meu chá preferido, eu termino e você vai tomar o seu banho, eu pego o chá e me sento na escada, acendo um daqueles cigarros com sabor que eu só fumo às vezes e fico vendo a chuva cair, e o chá me conforta, e o cigarro me distrai, e você aparece na ponta da escada e me pergunta o que estou fazendo com o cigarro na mão e eu respondo que logicamente estou fumando, e você desce as escadas, me rouba o cigarro e diz pra não fazer mais isso, fico com cara de espanto  mas você completa que não é pra fazer mais isso sem te oferecer, e eu rio e você traga o cigarro com gosto e toma do meu chá e pergunta se eu não quero voltar pra cama, e eu digo que era o que eu mais queria desde o começo do dia mas você insistiu no dia ensolarado, e você ri e diz pra olhar lá fora e que eu diga onde está o dia ensolarado, e eu respondo que meu dia ensolarado está na cama ao seu lado, e você esquece chá, esquece cigarro e me leva pra cima, e me beija, me beija, me beija e me leva pra cama e me pede pra ficar, pra ficar na cama, pra ficar com você, pra ficar em você, pra morar em você, pra viver em você e eu respondo que o que eu mais quero é viver pra viver com você. 
E mais uma vez, eu e minha imaginação fértil. 

Relatos de tempo

Preciso parar de ser inútil, ficar imóvel com o tempo, deixar o tempo passar por mim como se fosse nada. Como se tempo não fosse nada, mas tempo é tudo. Fazer do tempo algo inválido não me preocupa, só me preocupo se eu me tornar algo inválido com o tempo. E se o tempo me tornar algo inválido, eu farei do tempo meu passatempo. 
E que tempo é esse que em cada canto é um tempo? Vinte e quatro horas  não são o tempo, são contagens. Como se tempo, em números, pudesse ser contado. Mal sabe o relógio que o tempo que ele conta não existe. Trabalho inválido. 
Mal sabem a perda de tempo que é ficar contando o tempo. Pessoas contam o tempo mas o tempo não conta pessoas. Pessoas correm contra o tempo e ele ri dos contratempos resultantes. Pessoas fogem do tempo e ele nem ao menos se dá ao trabalho de perseguí-las. Pessoas ficam ansiosas com o tempo e ele se deleita em paciência. Pessoas seguem rotinas à partir do tempo e ele nem sabe que horas são. Pessoas passam a vida toda ao redor do tempo e ele nem sabe o quanto já viveu. 
O tempo que perdem contando o tempo é o tempo que se leva uma vida. Rotinas, horários, compromissos e atrasos, são contratempos que o tempo nos prega. O tempo ri-se da desordem, dos atrasos e dos acertos enquanto lamentamos o que se passou. 
Como um grande livro, no tempo tudo foi registrado com a escrita do vento. Tudo o que se passou, se foi, existiu, persistiu, em cada vértice de tempo. Cada sentimento que o tempo plantou, colheu e se alimentou, talvez se satisfez, talvez se desfez. Cada amor que o tempo beijou, foi-se com ele o sentimento. Cada lágrima que o tempo derramou talvez se enxugou com outros contentamentos. Cada dor que veio com o tempo também se foi com ele. Cada tempo que se foi, talvez levou o amor. 
Amor é tempo. Amor é tempo que ansiao encontro, o beijo. Amor é tempo que espera a resposta da pergunta. Amor é tempo que espera pelo tempo do outro. Amor é tempo que, quando é verdadeiro, não se vai com o tempo. Amor é tempo que passa noites em claro almejando a cura. Amor é tempo que vê transparência vidros escuros. Amor é tempo que, no otimismo, esperar realizar o platônico. Amor é tempo que crê no ser. Amor é tempo que crê mas não quer apenas ter, quer se preencher. 
Sem querer, sem ao menos perceber, o tempo tatua-se na face de quem vive. Entre marcas, cicatrizes, casos inacabados, um sinal do tempo. Pra cada um, um tempo em fatos e acontecimentos. Memórias que vão e  ficam, tempo de dizer o que se quer esquecer ou lembrar. 
E as horas? O que dizer de cinzas de tempo? Horas são cinzas que o tempo deixou pra contar acontecimentos. E datas, dias, anos, séculos, tudo isso não passa de carvão queimado pelo tempo. Do tempo, só restam as cinzas. 
Números nunca se simpatizaram com o tempo. O tempo sempre quis correr desordanado, mas os números queriam um percurso fixo. E os números colocaram o tempo em linha reta, mas sempre que possível ele desvia o caminho. Afinal, caminhos não existem. Se não fossem por simetrias, ninguém seguiria linhas. Entre o certo e o errado, eu deixo para o tempo violar termos. 
De fato, o tempo não pode ser contado. Por que contar o tempo se ele nem ao menos se dá ao trabalho de se preocupar comigo? Os homens são tolos de se preocupar com o tempo enquanto ele vive seu próprio tempo. Tempo não se conta, não é físico, não é presente. O tempo é o tempo de cada um e cada um ao seu tempo. 
Quanto ao meu tempo. Bem, meu tempo é o agora que se passa agora. Meu tempo é o agora que faz refletindo meu ontem. Meu tempo é o agora que sequenciará meu amanhã. Meu tempo é o agora porque agora é o único tempo. E quando o tempo me escorre por entre os dedos eu quero fechar as mãos. Ver o tempo passar entre os dedos me faz não querer ter dedos. Se eu pudesse prender o tempo eu o transformaria em água. Transformaria o tempo em água porque em qualquer forma sempre estaria presente. Tempo é água que se solidifica, evapora e congela, mas nunca desaparece. 
Tempo tem gosto de céu, céu tem cor de vento, vento é cinza e cinza é tempo. Tempo é um círculo vicioso que nunca vai pra reabilitação. Tempo é vício que vicia e se mantém em si mesmo. 
E quanto aos relógios? O que dizer de ponteiros que ignorantemente acreditam matematizar o tempo? Relógio é orgulhoos, fiel e cego, que acredita não errar contagens de tempo. Relógio, amigo, e se eu quebrar seu mecanismo, com que peça contará o tempo? Relógio, amigo, e se eu te tirar o alimento, que tempo fará seu contentamento? Eu nunca gosto de relógios, eles sempre me fazem perder meu tempo. Eu odeio relógios pelo fato de não estarem no meu tempo. 
E o tempo se foi, se vai ou irá, bem usado ou não, passou. O tempo zomba de mim porque não tenho forças pra me defender dele. Mal sabe o tempo que se eu tivesse forças, ele nem ousaria passar por mim. Meu amor não passa porque não é tempo. 
E de tempo em tempo, faço das horas um divertimento. Quebrar relógios é tão enaltecedor, propôr superioridade ao tempo. Acima do tempo somente meu pensamento. E como se tempo fosse nada, eu faço dele meu passatempo.