terça-feira, 5 de outubro de 2010

Chuva e alguma linguagem

Era mais uma dessas manhãs que começam chovendo e quando a gente acorda implora pra continuar assim o dia todo. Chovia, chovia, uma chuva calma, porém incessante. Como de costume, fui até a varanda, sentei-me ao banco, acendi um cigarro e fiquei apreciando toda aquela água desaguar. Ver a água cair é um espetáculo à parte e totalmente impagável. Se um dia alguém tentar pagar o que se sente quando a chuva cai não encontrará uma única moeda. E o céu nublado, cinza, coisa mais linda. Dias cinzas são os mais alegres. E sempre que o dia está cinza eu repito "Quero dias cinzas todos os dias". 
Só havia eu e o vento, e agora alguns passos. Veio em minha direção, cabelos ao vento, camisa larga, sem calças e com uma tal calma. Já não sabia mais se ouvia o vento ou a sua respiração. Sentou-se sem dizer uma só palavra ao meu lado, encostou a cabeça no meu ombro enquanto eu olhava para o  horizonte e consumia o cigarro. Não me movi, não se moveu, ficamos ali apenas. Tomou o cigarro da minha boca e riu. Abaixou a cabeça, deu a última tragada possível e o jogou. Eu fiquei olhando, era a coisa mais dócil a se fazer. E rimos. Voltei ao meu estado inicial de fixação no horizonte molhado de chuva, passou os braços pela minha cintura e voltou a colocar a cabeça em meu ombro. Retribui e inclinei a cabeça sobre aquela que estava a me fazer peso ao ombro esquerdo. 
-Já viu em outro lugar algo mais lindo? Perguntei. 
-Refere-se à que? À chuva ou à paisagem?
-O conjunto
-Chuva é sempre chuva
-Não mesmo. Nenhuma chuva é igual a outra e não é a mesma coisa em todos os lugares. É como pessoas: sempre há algo parecido, mas nunca igual
-Refletindo sobre a chuva, é? Por que você tem que parar e pensar sobre tudo?
-Tenho compulsão por pensar
-E o que acontece quando seu pensamento acaba?
-Pensamento nunca acaba, mas se um dia acabar eu vou ter que ficar pensando porquê acabou e, automaticamente, vou voltar a pensar
Tirou a cabeça do meu ombro, me olhou fixamente. Olhei de volta, mas com calma. Riu de mim com tão amabilidade que não resisti e retribui o riso. 
Chovia e eu dizia: "Essa água que cai será você um dia a me inundar de alegria". Tomou meu rosto com as mãos e beijou me a face. Abaixei a cabeça, em respeito. Respeito, depois de amor, era o que eu mais sentia pelo ser ao meu lado. Eu lhe dava todo o amor que me fosse disponível, mas com todo o respeito direcionado. Eu ainda de cabeça baixo, com um riso tímido por ter dito aquilo, passou a mão sobre a minha cabeça como se eu fosse uma criança.
-Mas uma hora a chuva para de cair, e como fica a alegria? Perguntou-me como que a me fazer pensar.
-Uma hora tudo acaba, sabemos disso, mas fazemos o máximo para que dure um pouco mais, ou até pra sempre
-E quanto dura o seu sempre?
-Meu sempre é a vida toda
-Vai viver a vida toda na chuva?
-Eu disse "Essa água que cai será você um dia a me inundar de alegria", mas não quero um dia, quero todos os dias
-Espero que a máquina de secar roupas sobreviva
Rimos e rimos. Só haviam palavras dóceis ali. Jamais, em  momento algum, havia ausência de calma ou qualquer tipo de alteração de ânimos. Sempre havia o mesmo padrão na expressão, nem excessiva, nem ausente, na neutralidade. Aos olhos alheios, tudo o que disséssemos seriam sempre diálogos frios, mas para nós eram os mais elaborados. 
-Vai querer ser minha chuva ou vou ter que morar no chuveiro?
-Se você não gripar, nem ficar o dia todo na cama por causa disso, serei a sua chuva
-Mas e se eu ficar na cama, hein?
-Aí a gente fica por lá, que tal?
-E daí você vai chover todos os dias na minha cama?
-Vou pensar... - Olhou me rindo e abaixou a cabeça. 
Tomei-lhe as mãos, me coloquei frente à face, e abraçei-lhe. Era do tipo de abraço que nenhum algodão seria o mais confortável. Aquele abraço que 
dá vontade de esquecer a casa e querer morar nele. Era o abraço que dava vontade de querer morar dentro daquele ser só pra jamais ousar se perder em outros braços. 
-Por favor, não me venha com dias ensolarados, eu quero que seja meu céu cinza - Eu disse
-Sem nenhuma claridade, prometido.
-Sem ironias, quero que seja todas as minhas hipérboles
-Você nem precisa de mim pra isso, já é a hipérbole em pessoa -Falou rindo
-Minhas hipérboles são dignas do nome somente quando se referem à você, caso contrário se tornam dramas frustrados
-Serei, então, todas as suas hipérboles, e dramas, e ironias ...
-E meus gerundismos!
-Por que quer que eu seja seus gerundismos?
-Quero que seja meus gerundismos pra dizer que estou chorando, rindo, me desfazendo, derretendo, fortalecendo, enfraquecendo, me apaixonando e amando a cada dia mais você. 
Vi naqueles olhos uma ameaça de lágrimas, mas se conteve, e me deu um riso. Porém, um riso que queria chorar de uma certa alegria. E ainda chovia, chovia, mas naquelas olhos não chovia, só uma espécie interminável de alegria. E abraçou-me, quis praticar meu gerundismo me derretendo, me desfazendo, me apaixonando. 
-Fiz o café do jeito que gosta. 
-Forte e doce? 
-Exatamente. E acho melhor ir tomar antes que esfrie. 
-Café nunca é o mesmo depois de aquecer, porém o amor é único que esfriando ou aquecendo continua o mesmo
-Só perde o gosto 
-Só perde o gosto o amor que esfria ou esquenta se não é amor de verdade
-E o seu amor, perde o gosto?
-O meu amor é aquele que sofre, se contenta, esfria, aquece, esquece e lembra, mas continua o mesmo. E o seu?
-Sem mais, eu amo você e o seu amor. 
-E eu amo você, seu amor, essa camisa e seu café. 
Puxou-me pela mão, rindo, com aquelas passos leves, a pele fria e me pôs pra dentro. Fechou a porta, e chovia. Ainda bem que fechou a porta, porque depois do café eu estava querendo tomar aquela chuva na cama, com todas as hipérboles e gerundismos possíveis. 

2 comentários:

  1. Não faço ideia do que lhe falar a respeito desse texto, só sei dizer que ele foi capaz de arrancar lágrimas dos meus olhos. Parece uma cena de filme, me senti dentro da história. Eu nunca havia me emocianado antes ao ler um texto de algum Blog, este foi o primeiro. Já li muitos textos, mas um com a intensidade que este possui... Nunca. Acredite!

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  2. "E eu amo você, seu amor, essa camisa e seu café."
    Pode ser mais simples? Pode ser mais lindo?
    Já me encantei por teus textos antes mas, agora, que começou a chover no meu peito, pude compreender melhor tuas palavras.

    E desculpe pela demora em comentar. Tenho estado ocupada. Voltei à vida de blogs hoje. =D

    P.S.: Se tivesse tal opção, seguiria teu blog de olhos vendados.

    Beijos, San!

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