sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Pessoas e dentes


Acordei, mas acordei porque tinha que tomar remédio, caso contrário eu ficaria na cama o dia todo. Analgésicos são algo fascinante: uma dose e, por quatro horas, a dor cessa. Pensei comigo: “E pra dor de amor? Onde eu compro esse analgésico?”.  Levantei da cama, dor no coração e no siso. Este maldito siso nascendo.  Mas dor no siso é pouca perto da dor no coração. Na esperança de cessar a dor de coração, tomei meu analgésico e nada. Analgésico não cura dor de amor, nem dor de coração, só dor física. “Analgésico pra dor de amor é o tempo”, conclui.  Ah, mas tempo leva tempo e dói demais; enquanto isso não sei se espero, acelero ou vou me amortecendo. Resolvi deixar minha dor com o tempo, já que é algo que não cabe mais a mim.
Mas, além do analgésico, tem o antiinflamatório. Este siso é coisa do mal, sem mais. É o chamado “dente do juízo”. Qual juízo? Eu já tinha um juízo determinante muito antes do tal siso me atormentar. E pra ajudar, me disseram que é um dente que não serve para nada, nada e que, depois que ele nascer, pode-se arrancar. Então pra que nascer? Siso é igual gente: nasce, mas vai morrer. Eu já disse o quanto dói? É engraçado dizer que sem os remédios eu choro? Bem, podia existir um antiinflamatório que não me deixasse chorar quando alguém partisse, me deixasse ou nem me dissesse nada.  Remédio é coisa engraçada: age no sistema e cessa a dor. Eu me pergunto: “Remédio entra no nosso corpo e como é que ele adivinha onde está a dor?”. Eu queria enganar meus remédios quanto ao local da dor e desviar o efeito pro coração. Coisa boba, bem boba.
Dente também é coisa engraçada. Dente é coisa engraçada porque nos faz rir, literalmente. Mas não é essa a conclusão. Esses dentes de leite, que têm um nome daqueles científicos, que não sei qual é (tanto faz), nascem e caem. Caem pra dar lugar ao dente fixo, permanente. É, permanente; esse eu sei o nome. Quando eu era criança, cair um dente era uma felicidade. Doía, mas a felicidade compensava. Hoje eu sei que quando eu era criança a dor de tirar um dente era pouca perto das dores que se adquire quando se cresce. Agora sei porque eu nunca quis crescer. As dores de criança eram inocentes, mas quando a gente cresce,  elas realmente doem.  Mas, voltando ao dente de leite... tem gente que é dente de leite, já notei isso.  Pessoas que aparecem na nossa vida,  crescem em nós e, do nada, partem, caem, como dente de leite. Há pessoas que tomam o lugar vago e permanecem nas nossas vidas, são dentes permanentes. Mas, se por um infortúnio do destino, acidente ou vai lá saber o que, eles se desprendem de nós, fica um enorme lugar vago, que assim como um dente permanente que não mais nascerá outro no lugar, também nunca existirá outra pessoa pra substituí-la. Daí nos aparecem falsas cópias  de pessoas, assim como dentes postiços. Cada pessoa  é cada pessoa, cada dente é cada dente e só nascem uma vez.
Ai, o siso, a parte que me dói. Sim, há pessoas que são o nosso siso e que nascem no coração. Pessoas que nos machucam, dói, mas ficam porque amamos mesmo doendo, mas chega uma hora que precisamos arrancar essa dor para que não prejudique nossa estrutura; e arrancamos. Dói, dói e dói, mas cicatriza com o tempo, apesar do lugar vago; mas é um lugar vago que não queremos que ninguém ocupe por medo que doa novamente. Ah, essas pessoas que são sisos na minha vida...

P.S: Escrito em 20 de outubro de 2010 com o siso gritando de dor. 

Um comentário:

  1. "...Pessoas que aparecem na nossa vida, crescem em nós e, do nada, partem, caem, como dente de leite. Há pessoas que tomam o lugar vago e permanecem nas nossas vidas, são dentes permanentes." - Inspiração é a coisa mais engraçada, pode ser da bomba de hiroshima até mesmo um dente siso... Até a coisa mais insignificante, no final das contas, vira a mais significante de todas.

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