sábado, 4 de setembro de 2010

Relatos de tempo

Preciso parar de ser inútil, ficar imóvel com o tempo, deixar o tempo passar por mim como se fosse nada. Como se tempo não fosse nada, mas tempo é tudo. Fazer do tempo algo inválido não me preocupa, só me preocupo se eu me tornar algo inválido com o tempo. E se o tempo me tornar algo inválido, eu farei do tempo meu passatempo. 
E que tempo é esse que em cada canto é um tempo? Vinte e quatro horas  não são o tempo, são contagens. Como se tempo, em números, pudesse ser contado. Mal sabe o relógio que o tempo que ele conta não existe. Trabalho inválido. 
Mal sabem a perda de tempo que é ficar contando o tempo. Pessoas contam o tempo mas o tempo não conta pessoas. Pessoas correm contra o tempo e ele ri dos contratempos resultantes. Pessoas fogem do tempo e ele nem ao menos se dá ao trabalho de perseguí-las. Pessoas ficam ansiosas com o tempo e ele se deleita em paciência. Pessoas seguem rotinas à partir do tempo e ele nem sabe que horas são. Pessoas passam a vida toda ao redor do tempo e ele nem sabe o quanto já viveu. 
O tempo que perdem contando o tempo é o tempo que se leva uma vida. Rotinas, horários, compromissos e atrasos, são contratempos que o tempo nos prega. O tempo ri-se da desordem, dos atrasos e dos acertos enquanto lamentamos o que se passou. 
Como um grande livro, no tempo tudo foi registrado com a escrita do vento. Tudo o que se passou, se foi, existiu, persistiu, em cada vértice de tempo. Cada sentimento que o tempo plantou, colheu e se alimentou, talvez se satisfez, talvez se desfez. Cada amor que o tempo beijou, foi-se com ele o sentimento. Cada lágrima que o tempo derramou talvez se enxugou com outros contentamentos. Cada dor que veio com o tempo também se foi com ele. Cada tempo que se foi, talvez levou o amor. 
Amor é tempo. Amor é tempo que ansiao encontro, o beijo. Amor é tempo que espera a resposta da pergunta. Amor é tempo que espera pelo tempo do outro. Amor é tempo que, quando é verdadeiro, não se vai com o tempo. Amor é tempo que passa noites em claro almejando a cura. Amor é tempo que vê transparência vidros escuros. Amor é tempo que, no otimismo, esperar realizar o platônico. Amor é tempo que crê no ser. Amor é tempo que crê mas não quer apenas ter, quer se preencher. 
Sem querer, sem ao menos perceber, o tempo tatua-se na face de quem vive. Entre marcas, cicatrizes, casos inacabados, um sinal do tempo. Pra cada um, um tempo em fatos e acontecimentos. Memórias que vão e  ficam, tempo de dizer o que se quer esquecer ou lembrar. 
E as horas? O que dizer de cinzas de tempo? Horas são cinzas que o tempo deixou pra contar acontecimentos. E datas, dias, anos, séculos, tudo isso não passa de carvão queimado pelo tempo. Do tempo, só restam as cinzas. 
Números nunca se simpatizaram com o tempo. O tempo sempre quis correr desordanado, mas os números queriam um percurso fixo. E os números colocaram o tempo em linha reta, mas sempre que possível ele desvia o caminho. Afinal, caminhos não existem. Se não fossem por simetrias, ninguém seguiria linhas. Entre o certo e o errado, eu deixo para o tempo violar termos. 
De fato, o tempo não pode ser contado. Por que contar o tempo se ele nem ao menos se dá ao trabalho de se preocupar comigo? Os homens são tolos de se preocupar com o tempo enquanto ele vive seu próprio tempo. Tempo não se conta, não é físico, não é presente. O tempo é o tempo de cada um e cada um ao seu tempo. 
Quanto ao meu tempo. Bem, meu tempo é o agora que se passa agora. Meu tempo é o agora que faz refletindo meu ontem. Meu tempo é o agora que sequenciará meu amanhã. Meu tempo é o agora porque agora é o único tempo. E quando o tempo me escorre por entre os dedos eu quero fechar as mãos. Ver o tempo passar entre os dedos me faz não querer ter dedos. Se eu pudesse prender o tempo eu o transformaria em água. Transformaria o tempo em água porque em qualquer forma sempre estaria presente. Tempo é água que se solidifica, evapora e congela, mas nunca desaparece. 
Tempo tem gosto de céu, céu tem cor de vento, vento é cinza e cinza é tempo. Tempo é um círculo vicioso que nunca vai pra reabilitação. Tempo é vício que vicia e se mantém em si mesmo. 
E quanto aos relógios? O que dizer de ponteiros que ignorantemente acreditam matematizar o tempo? Relógio é orgulhoos, fiel e cego, que acredita não errar contagens de tempo. Relógio, amigo, e se eu quebrar seu mecanismo, com que peça contará o tempo? Relógio, amigo, e se eu te tirar o alimento, que tempo fará seu contentamento? Eu nunca gosto de relógios, eles sempre me fazem perder meu tempo. Eu odeio relógios pelo fato de não estarem no meu tempo. 
E o tempo se foi, se vai ou irá, bem usado ou não, passou. O tempo zomba de mim porque não tenho forças pra me defender dele. Mal sabe o tempo que se eu tivesse forças, ele nem ousaria passar por mim. Meu amor não passa porque não é tempo. 
E de tempo em tempo, faço das horas um divertimento. Quebrar relógios é tão enaltecedor, propôr superioridade ao tempo. Acima do tempo somente meu pensamento. E como se tempo fosse nada, eu faço dele meu passatempo. 

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