quinta-feira, 10 de março de 2011

Escrever pra não dizer

Eu que sempre tenho algo pra dizer, pela primeira vez nem sei reagir. Talvez eu não tenha mais nada pra dizer, por isso o silêncio. A verdade é que eu não tenho mais nada pra dizer, talvez tenha, mas não quero falar. Agora é a minha hora de ouvir, estou frágil demais pra dizer alguma coisa. O que acontece? Não sei, realmente não sei; talvez eu saiba e não queira dizer. Talvez eu seja e não quero admitir nem pra mim. 
E o sentimento que de tantos entre tantos, em muitos e vários, de muitos tempos, só tomam formas agora, e se misturam em meios, entre meios, tomam formas, e lágrimas, e medos, e assombros, e lamúrias, e raivas e torpor. É uma cadeia sentimental que eu perdi a chave do cadeado, grande, bem grande, por sinal. É tudo o que eu senti e neguei sentir e que desaba agora, por motivo que não sei. É tudo o que eu deveria ter chorado quando me machucou e eu não chorei, mas quero agora, mas sei que se chorar tudo isso não volto mais. É tudo o que eu deveria ter dito e guardei em mim ou fingi que nunca ouvi ou vi, ou senti, ou não sei, jamais quis parecer vulnerável à qualquer ação contra mim. É que eu sempre ri de qualquer coisa que quisesse me machucar querendo chorar por dentro. Hoje choro, me desabo, abro a represa, e dói. Não gosto de chorar, me sinto frágil, mas é melhor assim; é melhor chorar o que machuca na hora antes que se acumule e represe. Mas é agora que eu choro só em pensar, só de escrever, só de ouvir, de ver ou sentir, ou apenas pelo silêncio. Não, a pior parte é saber que eu não quero que ninguém saiba. Ou melhor, eu não quero dizer, já falei. Eu posso até escrever pra me sentir melhor, mas dizer eu não quero. 
E me olham como se eu fosse outra pessoa e perguntam "O que você tem?", e eu viro a cabeça, desvio o olhar, ou encaro e digo "Prefiro não comentar", "Sei lá, não sei explicar", e olho pro lado, e pego um trago, um gole e saio. Eu que nem fumo, mas trago só pra ter algo dentro de mim. Na verdade eu não quero mais nada dentro de mim, mas um trago, um gole, alguma substância só pra esquecer que o mundo é mundo e as pessoas são pessoas. E, sabe? Sabe aquele meio tempo que existe quando se expira o ar e não tem mais nada nos pulmões? É o meu tempo preferido. É tão leve sentir que não tem nem mais  ar dentro de si. Parece que às vezes até a respiração me pesa. 
Mas, eu sei, pra que tudo isso, não é? Parece um drama, um pedido de piedade, mas é só mais um nada entre tantos. Claro, ninguém se importa. Posso dizer do quanto me importei, do quanto me dediquei ou me dispus à ajudar alguém, e então, e agora, quem fará o mesmo por mim quando preciso? Pois é. Não que eu faça da minha boa vontade uma desculpa pra uma cobrança futura esperando o mesmo, longe disso; eu apenas espero que, ao menos, eu receba um pouco de gratidão e reconhecimento. E então, alguém já notou quantas e quantas vezes eu sempre estive, de alguma forma, à prontidão? E é por isso que eu digo que não quero dizer. Não quero dizer o que sinto pro primeiro idiota que fingir se importar e virar as costas e só dizer "Isso passa". Passa? Certo, cadê a novidade nisso? Eu quero que passe, vai passar, disso todos nós sabemos, mas enquanto não passa, eu vou ficar como? Vão me deixar, não vão me ouvir, nem ao menos se importar? Entende? É por isso que eu não quero dizer nada, absolutamente nada. Porque dizer é o mesmo que estar mostrando as defesas, e eu não quero que usem minhas defesas pra me atacar. Eu já confiei demais, eu já disse demais, eu já entreguei demais, agora só me resta algum receio de ver tudo isso contra mim. E é agora a parte que eu me fecho como antes na certeza de me defender do mundo. A minha vontade é de sentar em um canto e esquecer que o mundo é o lugar onde vivo ainda. Se é que eu vivo, porque já ouvi dizer "Parece que você não vive" ou então "O que você vai fazer da vida?" e veem um certo desprezo quando respondo "Nada" ou então "O que aparecer, eu faço". O que? Pra que tantas cobranças sociais e preocupações? "Desculpa sociedade"?, não, não mesmo, é a sociedade que me deve umas boas desculpas. 
E tem toda aquela cobrança de faculdade, trabalho, amigos e um parceiro do sexo oposto. Sexo oposto, aquele lixo. Mesmo sexo, uma decepção à cada dia. Da minha heterossexualidade só me resta ainda achar alguma beleza e não passar disso. Da minha homossexualidade ainda me resta alguma vontade, mas não vai passar disso. Eu até tenho uma certa vontade de ser como era antes: bem casual, bem "não me importo", ir ao ponto que interessa, sem sentimentos, mas não dá. Nada disso me preenche mais. Eu preciso é de ter alguém dentro de mim com todo o amor possível. Não dá mais pra me preencher com o vazio dos outros esperando que seja assim pra vida toda. Não, eu quero alguém pra mim, do meu lado, que eu possa simplesmente olhar sem tocar, tocar sem dizer, e se dizer que seja apenas com os olhos:Eu te amo. Eu quero alguém que esteja do meu lado mesmo sem estar, que me ame mas sem mencionar "amor", mas outras palavras ou um silêncio bonito, que deixe eu amar sem me assustar e que, se eu me assustar, apenas esteja pra mostrar que está ali. E que não me cobre nada do mesmo modo que não cobre também, mas que suporte as vezes em que eu pedir um abraço, um colo ou apenas  que me dê a mão. E eu vejo que vou acabar com um gato ou um cachorro dormindo nos meus pés daqui uns vinte anos.  E eu vou olhar pra cama vazia ao lado e pensar que eu amei demais e não souberam fazer o mesmo. É isso que dói, e dói bem. Dói você ouvir que a pessoa disse que te ama e em dias, cadê? Isso me confunde. Me confunde acreditar em algo que jamais quis acreditar ou sentir e agora tenho todo o desamparo. Amor pra mim vai acabar como religião: Acreditei um dia,  acabou e eu perdi a fé. E o pior é ouvir aquela mesma história "Você é muito pra mim, eu não mereço tanto", "Você merece coisa melhor que isso", porra! Se eu escolhi, se eu senti, se eu estou dizendo que é você, é porque é você. Eu nunca, eu jamais teria certeza que a pessoa que amo é a pessoa que eu quero. Eu jamais amaria alguém se soubesse que não é aquilo o que mereço. E pensando bem, talvez eu mereça mesmo todo esse desprezo, toda essa indiferença, tudo isso. Talvez eu mereça chorar à noite ou ficar vendo coisas que me machuquem. Talvez eu mereça mesmo que não se importe comigo, que não leia a maldita carta, que jamais que escreva uma, que jamais queira me ver e que  eu continue esperando que um dia reconheça o meu amor. Tem até um certo heroísmo em dizer que faço longas cartas que talvez nem sejam lidas ou guardadas, ou que nem tenham tanto valor. E a parte de saber que cada palavra saiu lá do fundo, com toda sinceridade, verdade e amor, e talvez nenhuma dela é valorizada. E a parte que machuca até me faz eu sentir uma certa importância, afinal, se tiram um tempo pra me machucar é porque eu ainda tenho alguma utilidade ou existência.  É, talvez eu mereça mesmo tudo isso. E a melhor parte é saber que tudo isso resolveu aparecer na mesma hora. É amor não recebido, é amigos dispersos, é gente partindo, é gente não se importando, é gente me cobrando, é gente me irritando, é gente querendo que eu seja gente. E tem toda essa parte acumulada; a parte de saber que já me trocaram por outro, por outra,  por qualquer coisa, por nada, ou simplesmente desprezaram. E eu fico pensando "E mereço mesmo tudo isso, não é?" e daí vem a outra pergunta "Mas o que eu fiz pra merecer tudo isso?". Acredite: não sei. 
E a parte de parecer que não tenho mais vida? Pois é. Ficar sem agasalho pra sentir o frio e pensar que ainda sinto sensações externas. E dá até aquela vontade de ter alguma dor física pra me distrair com a dor interna. Se cortar? É uma boa solução, pena que não gosto de cicatrizes. Eu jamais pensei que chegaria a esse ponto, jamais. Eu não sou doente, ou demente, não, eu só estou me assustando um pouco com o mundo. Eu deveria ter me assustado há alguns anos, mas eu sempre fiquei firme e forte enfrentando tudo e todos que me esqueci disso, e agora, agora que resolvi ter sentimentos, tudo anda desabando. Mas eu paro e penso  "Isso tudo é só pra eu ficar mais forte", e é. Só tenho medo de ficar pior. Pior que eu digo é ter mais orgulho, mais arrogância, me reter mais, bem mais e me prender no meu mundo. E eu tenho a sensação de que todo o mundo fica apostando qual será a minha próxima atitude e até onde eu vou conseguir ir. Eu estou tentando me manter forte pra decepcionar todos aqueles que estão esperando me ver cair. Não, eu vou tropeçar, mas cair não. Eu não caí antes, não vou jogar a armadura agora. A parte péssima é que eu estou perdendo a expressão. Parece que eu dizendo algo ou nada é a mesma coisa. O mesmo tom de voz, a mesma cara, a mesma coisa. Eu já tive bem mais espontaniedade. 
E eu nem sei porque estou escrevendo isso tudo. Pra me sentir melhor, talvez. Como fosse resolver alguma coisa. São tantas coisas, tantas coisas. Se fosse só uma coisa ou uma pessoa, mas não, parece que tudo, tudo de agora, tudo de antes, resolveu vir contra mim. Como dizem: vai passar. Vai, vai passar e eu vou ficar. Vou ficar firme e forte; só não sei se vou sentir como antes, ser como antes, agir como antes, amar como antes, dizer como antes ou ser como antes, não sei; não sei se estarei melhor ou pior, se vou me fechar mais ou dizer menos, ou ter mais expressão ou expressão alguma, se vou existir ou deixar de existir, não sei, só sei que das minhas cinzas, como sempre, eu vou me refazer. 


P.S: Meu pior texto.

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